quinta-feira, 16 de março de 2017

PLANEJAMENTO E GESTÃO GOVERNAMENTAL–VII: A DESVINCULAÇÃO DE RECEITAS DA UNIÃO (DRU)



Por: Ilo Jorge de Souza Pereira
Especialista em Gestão Pública e Política.

O QUE É? E QUAL A UTILIDADE DA DRU - DESVINCULAÇÃO DE RECEITAS DA UNIÃO?
A desvinculação de receitas da União (DRU) foi adotada em 1994, quando da implementação do Plano Real. Os seus objetivos principais são:
a) aumentar a flexibilidade para que o governo use os recursos do orçamento nas despesas que considerar de maior prioridade;
b) permitir a geração de superávit nas contas do governo, elemento fundamental para ajudar a controlar a inflação.

A necessidade de criação da DRU decorre de algumas regras estipuladas pela Constituição. A primeira delas é a divisão do orçamento do Governo Federal em duas partes: o orçamento fiscal e o orçamento da seguridade social.

A seguridade social compreende as atividades do governo nas áreas de saúde, assistência social e previdência social. As demais áreas têm seus gastos programados no orçamento fiscal. Além de segmentar o orçamento em duas partes, a Constituição também segmentou as receitas que deveriam financiar cada um dos orçamentos. Para o orçamento da seguridade foram reservadas as chamadas “contribuições sociais”, que são tributos que incidem, principalmente, sobre a folha de pagamento das empresas, o lucro, o faturamento ou a receita.

São exemplos dessas contribuições: as contribuições para a previdência social, COFINS, CSLL e a extinta CPMF. 
Para o orçamento fiscal ficaram os impostos tradicionais, como os impostos sobre renda, sobre produtos industrializados, sobre exportação e importação, as taxas e as contribuições econômicas como a Cide - Combustíveis.

Ocorre que a Constituição também determinou que a maioria dos impostos deve ter sua receita repartida com os estados e municípios, enquanto as contribuições Quando o Governo Federal se viu na necessidade de elevar a arrecadação para promover uma redução do déficit público e poder pagar a elevada dívida pública, ele percebeu que estava em um beco sem saída.
Se elevasse os impostos, parte da receita arrecadada teria que ser dividida com estados e municípios, de modo que restaria apenas em torno de 50% da receita adicional nos cofres da União. Se elevasse as contribuições sociais, estas teriam que ser direcionadas para os gastos com saúde, assistência social e previdência, não havendo a possibilidade de se carrear a nova receita para o pagamento da dívida pública.

Foi aí que se criou a DRU, que nada mais é do que uma regra que estipula que 20% das receitas da União ficariam provisoriamente desvinculadas das destinações fixadas na Constituição. Com essa regra, 20% das receitas de contribuições sociais não precisariam ser gastas nas áreas de saúde, assistência social ou previdência social.  Isso abriu um caminho para que o Governo Federal promovesse forte elevação da tributação via contribuições sociais, que não precisavam ser divididas com estados e municípios e, graças à DRU, poderiam ser usadas para pagamento da dívida pública ou pagamento de outras despesas fora do orçamento da seguridade social. De fato, a partir da introdução da DRU em 1994, podemos notar um crescimento da carga tributária, em sua maior parte decorrente da criação ou majoração das contribuições sociais. 

A receita de impostos e taxas, integrante do orçamento fiscal, manteve-se no patamar de 6 a 8% do Produto Interno Bruto (PIB); já a receita de contribuições, em sua maior parte integrante do orçamento da seguridade social, passou de 8,1% do PIB, em 1995, para 12,9% em 2010.

A DRU trazia também outra vantagem. A Constituição não criou apenas a vinculação entre as receitas de contribuição e o orçamento da seguridade. Existe um grande número de outras vinculações. Por exemplo: os recursos arrecadados pelo PIS/PASEP devem ser entregues ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), 18% da receita de impostos devem ser gastas em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), as taxas cobradas por órgãos públicos em geral são vinculadas ao financiamento das despesas desses órgãos (por exemplo: taxa de serviços aeroportuários devem financiar o custeio da Infraero).
As vinculações de receitas, somadas a gastos em boa medida incompressíveis – despesas com pessoal, benefícios previdenciários, serviço da dívida etc., dificultam a capacidade de o governo federal alocar recursos de acordo com suas prioridades sem trazer endividamento adicional para a União). 

Com a DRU, 20% das vinculações caíam por terra e o Governo ganhava mais flexibilidade para usar os recursos nas finalidades que considerasse necessárias. O mecanismo, que era para ser provisório, foi renovado diversas vezes.  Contudo, como veremos adiante, a sua importância foi se reduzindo ao longo do tempo. Primeiro, porque as despesas da seguridade social, em especial da saúde e da previdência, cresceram fortemente. As despesas da previdência aumentaram muito devido aos seguidos reajustes do salário mínimo acima da inflação.
Como o salário mínimo é referência para os benefícios previdenciários, a despesa da previdência cresceu muito as despesas com saúde cresceram devido à regra instituída pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que determinou que o gasto da saúde deve crescer no mesmo ritmo de crescimento do PIB. Como o PIB cresce acima da inflação, as despesas com saúde acompanham esse ritmo.
Se esses dois setores passaram a demandar cada vez mais dinheiro, passaram a sobrar menos recursos de contribuições sociais para serem remanejados para o pagamento de outras despesas e a amortização da dívida pública. Outro fator que enfraqueceu o poder da DRU de gerar recursos para livre alocação é o exercício de pressão por parte dos grupos que se consideram prejudicada pelo mecanismo.
A cada renovação da DRU a sua abrangência torna-se mais restrita.
FUNDAMENTO LEGAL
O mecanismo foi criado em 1994, com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE). Desde então, esse instrumento foi prorrogado, com algumas alterações, com o nome de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, atualmente, Desvinculação de Receitas da União (DRU). Em 2007, foi aprovada pelo Congresso Nacional sua prorrogação, até 31 de dezembro de 2011, pela Emenda Constitucional (EC) nº 56, de 20 de dezembro de 2007.
O fundamento legal da DRU, atualmente em vigor, é a Emenda Constitucional nº 56, de 2007, que a prorrogou nos mesmos termos da EC nº 42, de 2003. O dispositivo desvinculou de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2011, 20% da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.
Em 2011 o Poder Executivo encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 61, de 8 de junho de 2011, prorrogando mais uma vez a DRU, desta vez até 31 de dezembro de 2015. A proposta mantém a atual redação do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, apenas prorrogando o seu prazo e atualizando a sua redação.
Comparando-se o texto atual da DRU com aquele vigente na sua primeira versão (FSE de 1994) percebe-se que foram excluídos do alcance da DRU as transferências aos estados, ao Distrito Federal (DF) e aos municípios previstas na Constituição Federal.
Por outro lado, foram incluídas as contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) entre as receitas sujeitas à desvinculação. Com isso, a contribuição incidente sobre combustíveis (CIDE-Combustíveis) foi desvinculada, resultando em perdas para os estados e municípios (ou seja, a desvinculação não afeta essas transferências constitucionais, de forma que estados, DF e municípios, nesses casos, não sofrem perdas com a DRU como sofriam com o FSE).
Essa perda foi contornada com o aumento da participação dos governos subnacionais de 25% para 29% da receita da CIDE, por força da Emenda Constitucional nº 44, de 2004.
A versão atual da DRU também exclui da desvinculação a contribuição social do salário-educação, devida pelas empresas, ao financiamento do ensino fundamental público.
Em relação à desvinculação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), a Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009, determinou a redução progressiva do percentual da DRU incidente sobre esses recursos. Assim, para efeito do cálculo dos recursos para MDE, o percentual de desvinculação passou para 12,5%, em 2009, 5%, em 2010, e nulo no exercício de 2011. Portanto, a partir deste ano, a DRU deixará de afetar as vinculações para MDE e, portanto, não mais implicará aumento dos recursos de livre alocação decorrente da desvinculação de impostos. 
Por fim, as leis de diretrizes orçamentárias têm ressalvado da desvinculação as contribuições sociais do trabalhador e do empregador ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Plano de Seguridade Social dos Servidores Públicos, em observância ao disposto no inciso XI do art. 167 da Constituição Federal.

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