sexta-feira, 26 de julho de 2019

Alerta. O concreto está doente: quando a construção envelhece


Aos poucos, vão surgindo pintas amareladas. De repente, eis as trincas. Daí, os engenheiros têm de agir como médicos. Senão, um dia, a casa caí.
Existem pessoas que se dedicam a torturar o concreto, até ele não poder mais. Gente que aperta cilindros desse material cinzento entre robustos braços mecânicos. Chega uma hora, os cilindros espatifam-se com a pressão de dezenas de toneladas. E não é só isso.
Outras amostras — ou corpos de prova, como preferem os especialistas — são abandonadas em equipamentos que mais parecem geladeiras, ficando ali dentro expostas a fumaça, ácidos e temperaturas extremas.
Algumas das peças sacrificadas foram retiradas diretamente de pontes, barragens ou edifícios, com o auxílio de um aparelho capaz de cortar a rigidez do concreto, graças a uma afiadíssima lâmina de diamante. Mas há também pedaços de concreto moldados exatamente com essa finalidade — serem testados para ver qual a sua resistência. Se está baixa, é sinal de que o concreto pode ficar doente ou mesmo já adoeceu. O que, muitas vezes, se traduz em ameaça de ruína, ao pé da letra.
Para se ter uma ideia do tamanho da encrenca, 19 (dezenove) de cada 20 (vinte) edificações brasileiras — de pontes a hospitais, de barragens a escritórios e residências — são construídas com esse material. De fato, sua proporção de uso é altíssima em todos os cantos da Terra. Só no ano passado foram produzidas 1,4 bilhão de toneladas de cimento e isso dá para fazer uma montanha de 1 (uma) tonelada de concreto para cada cidadão do planeta.
O concreto surgiu na Europa em meados do século passado. Sua solidez, então, parecia eterna. Mas essa imagem ruiu. Os primeiros sinais de doença — marcas amareladas e rachaduras — apareceram nos anos 40, nos Estados Unidos, que, desde então, fazem exames periódicos nas obras.

Todo o cuidado, porém, não foi suficiente para evitar o que engenheiros americanos consideram uma epidemia. Calcula-se que 10% das estradas nos Estados Unidos, feitas de concreto em lugar de asfalto, estejam doentes, e 230.000 das 575.000 pontes existentes no país precisam de tratamento (aproximadamente 15.000 delas correm risco de vida, exigindo urgentemente uma UTI tecnológica).
Os números impressionantes deste último levantamento epidemiológico, por assim dizer, está deixando o Departamento do Transporte do Governo desesperado: preveem-se gastos de 50 bilhões de dólares, nos próximos dois anos, para realizar os primeiros socorros. Para conseguir dinheiro, o governo pode recorrer a um ligeiro aumento nos impostos — que, lá, não sobem assim, sem mais, nem menos.
Na Europa, o controle da saúde do concreto começou para valer apenas no final dos anos 70, quando surgiram as primeiras barragens doentes na França. No ano passado, os franceses constituíram um comitê técnico para cuidar das estruturas problemáticas. Outros países europeus estão fazendo o mesmo. No Brasil, tudo é mais devagar.
O estudo das doenças do concreto é uma das mais recentes áreas da Engenharia. Como nos seres humanos, existem problemas congênitos — por causa de material de baixa qualidade ou processos de construção inadequados, algumas estruturas já nascem doentes. As obras saudáveis, por sua vez, tendem a ficar doentes com o passar do tempo, assim como uma pessoa na terceira idade tem mais chance de ir parar no hospital.
Em todo caso, a distribuição das manchas e os desenhos formados pelas falhas são importantes para se diagnosticar o tipo de mal e a sua gravidade. “Há fissuras e fissuras”, distingue o engenheiro Paulo Helene, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Autor de três livros sobre o assunto e tradutor de outros três, Helene tem olhar clínico: “Para o leigo, uma rachadura incomoda muito, dando a impressão de que tudo irá desabar. Mas nós, engenheiros, observando a configuração das trincas, analisamos se a estrutura está comprometida.”
Entre as enfermidade nacionais, há uma cuja origem é familiar a cada um de nós: o gás de cozinha. Isso mesmo. A Congás consegue cobrar nas contas apenas cerca de metade da sua produção. Sinal de que a outra metade — ou parte dela — se perdeu em vazamentos. “No solo, o gás acaba formando o ácido sulfídrico”, explica Helene. “Essa substância ataca o concreto. Reage com seus componentes e, depois disso, ele começa a se expandir perigosamente.” Os engenheiros podem usar aditivos e cimentos especiais na receita do concreto, tornando-o menos reativo ao ácido sulfídrico, o vilão desta história. Podem ainda aplicar substâncias protetoras nas estruturas prontas. Enfim, dão um sumiço nos sintomas, apesar de o solo continuar contaminado.
Há casos em que o concreto não tolera tratamentos paliativos como esse por muito tempo. É o que está acontecendo na Barragem de Moxotó, em Alagoas. Construída há dezesseis anos pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), tinha tudo para chegar inteira aos 200 anos de vida. No entanto, ainda jovem, já está com os dias contados. Sua doença é outra, mas também faz o concreto engordar: trata-se da chamada reação álcali-agregado. A culpa é de ingredientes dele próprio, ou seja, é um ataque interno, contra o qual nenhuma terapia consegue fazer nada.
Os engenheiros fazem o que podem com Moxotó — o concreto se alarga, estrangulando as turbinas e eles vão lá, cortando pedaços ao redor, para deixar as hélices girar em paz. O efeito não dura para sempre. Uma das oito turbinas já teve de ser desligada. Os tais álcalis causadores do problema são a soda cáustica e o potássio, que todo cimento tem, uns mais, outros menos — e o cimento é o principal ingrediente do concreto. Já as pedras e a areia que também entram em sua composição são conhecidas por agregados e, às vezes, contêm moléculas reativas aos álcalis. Daí o nome da doença, reação álcali-agregado.
Ela é mais comum no Nordeste do país, onde as pedras disponíveis para se fazer o concreto são de origem vulcânica. Parte delas contém as tais moléculas reativas. São moléculas de sílica, substância encontrada em tudo quanto é rocha, pedrinha, pedregulho. A questão é que ela existe em duas versões: numa delas, a sílica está arrumadinha, na forma que os químicos rotulam de cristal. Na segunda versão, apresenta-se como moléculas amorfas e são elas que reagem com os componentes do cimento, resultando em moléculas grandalhonas, que colocam o concreto no maior aperto.
Há muito otimismo quando se discute a prevenção de doenças nas construções. Antes mesmo de se erguer um edifício, arquitetos e engenheiros estudam tudo o que pode ser feito para aumentar a sua longevidade. Os especialistas podem reunir elementos para afirmar se uma obra irá durar 50 ou 60 anos com saúde perfeita.
Mas, nessa matéria, fazer cálculos nem sempre é simples. Dá até para estimar o que irá acontecer com um prédio que ainda não foi construído ou por quanto tempo um concreto doente aguentará firme. Difícil é estimar a vida dos prédios espalhados pelas cidades, que ainda estão saudáveis. “Uma de nossas metas é saber quanto tempo dura todo concreto que já existe por aí”, explica o engenheiro Carlos Eduardo Tango, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo. “Apesar de não viver para sempre, ele ainda é de longe o melhor material de construção conhecido.”
O concreto é a paixão do pesquisador, cuja tese foi uma análise do estado desse material nos prédios mais antigos do Brasil. Uma de suas conclusões é que já não se fazem concretos como antigamente: “As obras mais modernas tendem a ser menos resistentes”, afirma. Será que mudou tanto assim a receita do concreto com o passar do tempo? A resposta é não: ela continua a mesma. “Mas hoje as partículas de cimento são menores”, diz Tango. “Portanto têm mais superfície em contato com o reagente, que é a água.” Ocorre algo análogo ao que se dá com uma pastilha de sal de frutas — quebrada, ela derrete mais depressa.
A água é o bem e o mal do concreto. Sem ela, não há negócio: a água é imprescindível para o cimento endurecer. Mas que seja na medida certa. “Se é acrescentada de menos, o resultado é uma massa pouco maleável, difícil de se trabalhar”, explica o engenheiro do IPT. “Se é colocada só um pouquinho a mais, o concreto perde a sua famosa resistência.” Em outras palavras: torna-se mais poroso. Pois, apesar da aparência compacta, de perto, muito de perto, o concreto se assemelha a uma colméia.
O microscópio revela seus túneis, pelos quais passam os mais diversos agentes agressivos. Inclusive água, que pode se converter numa das suas piores inimigas. Isso porque ácidos e outros agressores se dissolvem e pegam carona no líquido, para alcançar as profundezas do concreto. “Tanto assim que as doenças são mais comuns nos climas úmidos”, observa o pesquisador. “Ou nas estruturas que têm contato direto com a água, como as pontes e as barragens.” É por isso que as casas dos pernambucanos, apesar de provavelmente terem sido feitas com a mesma espécie de concreto de Moxotó, não estão ameaçadas como a barragem.
Mas, justiça se faça, a água pura não tem nada contra o concreto. Mas quando alcança as barras de aço no seu interior, aí, sozinha, é fatal. O chamado concreto armado — a combinação desse material com barras de aço — é um casamento perfeito. Pois o concreto simples é ótimo para aguentar compressão, que os leigos definem como peso.
Quando alguém sobe numa tábua, por exemplo, está comprimindo a madeira. Numa casa de dois andares, por sua vez, os pilares do térreo estão suportando a compressão do segundo pavimento. Mas há uma qualidade que o concreto simples não tem: não resiste muito bem à tração, que é a força que se faz numa corda, quando duas pessoas puxam suas extremidades. É nessa característica — fundamental para a construção civil — que o aço é uma fera. Junto com o concreto, portanto, ele forma uma dupla imbatível.
No entanto, 90% dos casos de doenças no concreto são problemas de corrosão de sua armadura de ferro. A questão é tão séria que a Escola Politécnica da USP inaugurou, há dois meses, o Lab Cor, um laboratório dedicado à deterioração das barras dentro do concreto. O maior orgulho de seus pesquisadores é o chamado G-Cor. Não é à toa: só existem três exemplares desse aparelho no mundo. Há mais um nos Estados Unidos e outro na Espanha. O G-Cor emite uma corrente elétrica através de eletrodos, fixados na estrutura examinada. Antes, os pesquisadores se informam do diâmetro de barras daquela obra e calculam quanto da eletricidade será conduzido pelo metal.
Se houver diferença entre o resultado estimado e o registrado pelo aparelho, é sinal de que as barras entraram em corrosão. Isso porque, como a ferrugem não conduz eletricidade, se a corrente elétrica conduzida for menor do que o esperado, sabe-se que parte do metal já enferrujou. O G-Cor aponta ainda a exata proporção do metal enferrujado.
“Em geral, as doenças não ocorrem separadamente”, explica o engenheiro Luiz Alfredo Falcão Bauer. “Uma trinca, causada pela doença de expansão, pode deixar que a água alcance a armadura. Então, a ferrugem aparece, como um segundo mal.” A empresa fundada por Bauer há mais de quarenta anos, em São Paulo, é uma das pioneiras em tratamento do concreto no mundo. Quando aparecem grandes problemas, o engenheiro grisalho e bem-humorado costuma dar seu parecer. Ultimamente, vem estabelecendo limites: “Não viajo mais do que três vezes por mês para ver as minhas doentes.” Obras doentes, bem entendido.
Para o diagnóstico, Bauer e seus colegas de área contam com um arsenal de quase cinquenta exames. Corantes tingem de verde a área do material que perdeu resistência, por causa da maresia, por exemplo. “Usamos até o ultra-som, como os médicos, para avaliar a localização e o tamanho dos danos”, conta o engenheiro. “Felizmente, também não faltam terapias, que vão de revestimentos especiais a técnicas como os jatos de areia para retirar a ferrugem. Isso resolve boa parte dos casos. Mas o fundamental é melhorar a qualidade das obras, para que não adoeçam tanto e tão cedo.”



terça-feira, 16 de julho de 2019

Governo corta repasse para educação básica e esvazia programas



O governo de Jair Bolsonaro esvaziou no primeiro semestre deste ano ações voltadas para a educação básica. Foram afetados, por exemplo, repasses de apoio a educação em tempo integral, construção de creches, alfabetização e ensino técnico. A Folha obteve dados por meio da Lei de Acesso à Informação e do Siop (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo). 

Não houve repasse para o apoio à educação integral nos ensinos fundamental e médio. Em todo o ano passado, foram transferidos R$ 399,6 milhões para 9.197 escolas. Como os alunos estão matriculados nas redes municipais e estaduais, o governo federal realiza transferências para redes e escolas para apoiar governos e induzir políticas. O fomento para o ensino integral, por exemplo, vinha ocorrendo por meio do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola). Não havia expectativa de redução de verba porque o PDDE não está incluído nas rubricas do orçamento que compõem o contingenciamento de R$ 5,7 bilhões determinado para o MEC (Ministério da Educação) neste ano.
 
“A descontinuidade gera um desgaste grande para quem está na ponta, pois o gestor tem que justificar para as escolas onde havia tempo integral e deixou de ter”, diz Alessio Lima, presidente da Undime, entidade que reúne secretários municipais de Educação. A meta do Plano Nacional de Educação é ter ao menos 25% dos alunos em tempo integral até 2024. O país registrou 15% no ano passado. Esse patamar pode cair, pois a falta de verba reduz a capacidade das redes em manter alunos mais tempo na escola. 

Não houve ainda repasses de modalidades específicas do PDDE a obras de acessibilidade, fornecimento de água, instalação de internet e apoio a escolas rurais. Em 2018, o gasto federal nessas ações somaram R$ 129,4 milhões. O MEC só executou até agora a modalidade básica do PDDE, previsto para pequenas obras e compras. Esses repasses somam R$ 343 milhões, 18% do previsto para todo o programa no ano. Recursos para creches também foram reduzidos. 

Um terço das crianças de até 3 anos estão nessas instituições, e a meta é chegar a 50% em 2024. Até abril, foram pagos R$ 10,3 bilhões para a continuidade da construção de unidades municipais por meio do programa Proinfância. O valor representa 13% do executado no mesmo período de 2018. O MEC afirmou que, das 9.028 obras aprovadas desde 2007 pelo Proinfância, 4.981 ainda não foram finalizadas.
 
Segundo dados obtidos pela Lei de Acesso, houve retomada neste ano de 67 obras que estavam paradas em 2018. Em 2017, 174 foram reativadas. 
Repasses obrigatórios para alimentação e transporte escolar não foram interrompidos, chegando, na média dos dois, a 53% de execução, de um valor orçado de R$ 2,6 bilhões. O MEC teve um semestre conturbado, com crises entre as alas militar e ideológica, paralisia e a demissão do então ministro Ricardo Vélez Rodríguez em abril. Abraham Weintraub assumiu o cargo e, diante do contingenciamento na área, fez uma série de críticas às universidades federais, reforçando que a prioridade do governo é o ensino básico. Em maio, o próprio Bolsonaro disse em entrevista que a etapa educacional seria privilegiada. 

“A gente não vai cortar recurso por cortar. A ideia é pegar e investir dinheiro na educação básica”, disse. A primeira ação do governo na educação foi lançar uma nova política de alfabetização. Até agora, porém, só houve publicação de um decreto. Iniciativas existentes para o tema foram praticamente extintas. Nenhum repasse foi feito para as escolas dentro do Mais Alfabetização, criado em 2018 para ações como a adoção de professor extra. O Brasil Alfabetizado, de bolsas para jovens e adultos, parou. Em 2018 foram atendidos 114 municípios. Neste ano, só um —e por decisão judicial.
 
O MEC anunciou na quinta (11) um plano estratégico para a educação básica sem citar as estratégias para alfabetização. De novidade, previu o apoio à criação de 108 escolas cívico-militares até 2023. O restante das ações retoma o que foi esvaziado na atual gestão. A pasta diz que vai reestruturar o Proinfância para a conclusão de creches e retomar programa de expansão de carga horária no ensino fundamental, mas não definiu o orçamento para essas ações. 

Há previsão de R$ 230 milhões para o ensino integral no médio, com recursos a partir de setembro, que terão impacto no próximo ano. Também foi anunciada a volta do investimento na conectividade nas escolas, com R$ 120 milhões. Segundo o MEC, as transferências relacionadas ao PDDE “estão em fase de preparação para liberação de pagamento”. Sobre o Brasil Alfabetizado, a pasta informou que reavalia o programa para alinhá-lo à nova política e que a última turma foi encerrada em 2018. “Com o atraso no início da utilização dos recursos, no cronograma e nas atividades, o ano parece começar aqui”, diz Fred Amancio, secretário de Educação de Pernambuco e vice-presidente do Consed, de dirigentes estaduais.
 
Anna Helena Altenfelder, do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), diz que as rupturas decorrentes da falta de recursos impactam os alunos. “Até agora, a política do MEC foi a de cortes”, diz. Outra prioridade do governo, a educação profissional, passou por esvaziamento sem iniciativas de expansão. O total de alunos no Pronatec caiu 58% de 2018 para 2019. 

O programa envolve ensino médio integrado a técnico, cursos de qualificação e nível superior. O MEC diz que busca otimizar recursos repassados e não aplicados para ampliar matrículas neste ano. Já o Pronatec terá revisão, diz o ministério. A pasta executou 41% do orçamento de R$ 122,9 bilhões. Excluídos repasses fixos, como a complementação ao Fundeb (fundo para a educação básica) e encargos com pessoal, a execução foi de 28%.

Fonte: Folha de São Paulo

No Serviço Público Licitar é um Imperativo

A imagem pode conter: Ilo Jorge, em pé, terno e área interna

As peculiaridades do Sistema de Registro de Preços

O Sistema de Registro de Preços, uma forma de contratação pela Administração Pública, precedida de licitação, no qual deve ser adota ou a modalidade licitatória concorrência ou pregão, sendo este último preferencialmente na forma eletrônica. Entre as inovações do novo Decreto destacamos a Intenção de Registro de Preços por parte do Órgão Gerenciador, a limitação de adesões ao registro pelos chamados “caronas” e a vedação de aderir a registros de preços entes federativos: Estado, Distrito Federal e Municípios.

Marcado ao longo de sua história por modelos administrativos, em que os funcionários do Estado não faziam distinção entre o público e o privado, o Brasil chega ao século XXI com demandas políticas, econômicas e sociais que requerem nova postura dos gestores públicos. Nesse contexto instituiu a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 com normas para licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, podendo destacar dentro dessa Lei o art.15, onde cita sobre o Sistema de Registro de Preço.

Esse Sistema visa registrar preços para contrações futuras por parte da administração pública, de acordo com as previsões de necessidade de itens e seus quantitativos, precedida sempre de licitação nas modalidades concorrência ou pregão. O registro de preços não se trata de uma modalidade de licitação, mas sim, de um procedimento preliminar a uma contratação no qual busca registrar preços de bens ou serviços que possam ser demandados pela administração pública.

Em 23 de Janeiro de 2013, foi publicado o Decreto nº 7.892, para regulamentar o Sistema de Registro de Preços. Mas, antes de trazer as alterações pela nova regulamentação, informa-se que o Decreto nº 3.931/01, que até então regulamentava a matéria, foi revogado com a publicação do novo decreto.

O Decreto nº 7.892/13, destaca a regulamentação da Utilização da Ata de Registro de Preços (Caronas como são conhecidas) por Órgãos ou Entidades Não Participantes, que já levaram a vários questionamentos pelo Tribunal de Contas da União.

O presente trabalho apresentará algumas mudanças importantes em relação ao antigo decreto, destacando as restrições, exigências e limites às adesões nas Atas de Registro de Preço e as necessidades de divulgações das intenções para registro de preços (IRP) a ser procedida pelo órgão gerenciador.

1. Obrigatoriedade de Licitar o Sistema de Registro de Preços
 
A economia do país depende de uma grande importância do Estado, especialmente no grande potencial para os investimentos e manutenção da administração pública. Para satisfazer todo esse processo e poder de compra de forma eficiente e atender a moralidade pública, há precisão de um regramento específico, e com a observância do princípio constitucional da isonomia.

A Constituição Federal de 1988 em seu inc. XXI do art. 37 exige a realização de licitação para contratação de obras, serviços, compras e alienações. Posteriormente, foi edita a Lei nº 8666/93, conhecida popularmente com a Lei de Licitações, que confere o regramento à União, Estados e Municípios.
Para a realização da licitação a Administração Pública cabe preliminarmente atentar ao caput do art. 37 da CF/1988 que trata dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A licitação busca auferir a melhor contratação para Administração Pública que nem sempre é somente o preço.
 
Este procedimento é uma séria de atos e fatos emanados dos que participam da licitação, que envolvem tanto a Administração Pública que tem o interesse da contratação, como aos interessados em firmar um contrato com a licitante.
 
Na Lei de Contratações Públicas por meio do Inc. II e §1º ao 3º do art. 15, rege que as compras devem ser processadas através de um sistema de registro de preços que será feito por uma ampla pesquisa de mercado, sendo divulgado trimestralmente para direção da Administração, na imprensa imediata, onde a escolha precisará ser feita diante a concorrência.

2. As modalidades de licitação no Sistema de Registro de Preços
 
Dentro da Lei de Licitações no art. 22 constam as seguintes modalidades de licitação: Concorrência, Tomada de Preços, Convite, Concurso e Leilão. Vale destacar que a modalidade de Licitação Pregão que foi criada através da Medida Provisória n.º 2.026, de 04 de maio de 2000, convertida pela Lei nº 10.520 de 17 de Julho de 2002 e regulamentada pelo Decreto n.º 3.555, de 08 de agosto de 2000.

Dentre as modalidades licitatórias apresentadas é importante destacar que para realizar o registro de preços somente são permitidas duas modalidades licitatórias: Concorrência do tipo menor preço e Pregão.

Para o registro de preços a adoção da modalidade licitatória adequada como regra geral é a concorrência conforme anunciado no art. 15, § 3º, I. A modalidade concorrência assegura uma ampla publicidade e conforme §1o do art. 22 da Lei nº nº 8.666/93, é aquela “entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.”

O pregão como nova modalidade licitatória foi instituído para aquisição de bens e serviços comuns, com o objetivo principal de acelerar as contratações públicas.

O Decreto Federal nº 5.450 de 31 de maio de 2005, regulamenta o pregão na forma eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns. Tal regulamentação é somente no âmbito da União, cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios efetuarem regulamentações próprias. Este decreto obriga para aquisição de bens e serviços comuns a utilização do pregão na forma eletrônico, conforme disposto no art. 4º e §1º. Com isto, observa-se que as aquisições de bens e serviços por meio de registro de preço, no âmbito da União, é obrigatório a adoção da modalidade de licitação na forma eletrônica, vejamos;

“Art. 4º Nas licitações para aquisição de bens e serviços comuns será obrigatória a modalidade pregão, sendo preferencial a utilização da sua forma eletrônica.

§1o. O pregão deve ser utilizado na forma eletrônica, salvo nos casos de comprovada inviabilidade, a ser justificada pela autoridade competente.”

Percebe-se que esse mecanismo de compra, dada sua natureza peculiar, propicia uma série de vantagens à Administração Pública e para regulamentar o sistema de registro de preços no âmbito da União, editou o Decreto nº 3.931, de 19/09/2001, alterado pelo Decreto nº 4.342 de 23/08/2002 e recentemente revogado pelo Decreto nº 7.892 de 23 de janeiro de 2013. Logo em seu art. 2º, o novo Decreto trata de conceituar alguns institutos, como o sistema de registro de preços, segundo o qual, é o “conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras”.

O Sistema de Registro de Preços para Fernandes (2006, p. 31) é;
 
“um procedimento especial de licitação que se efetiva por meio de uma concorrência ou pregão sui generis, selecionando a proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, para eventual e futura contratação pela Administração”

3. O novo Decreto do Sistema de Registro de Preços e suas inovações.
 
O Decreto nº 7.892/2013, trata das contratações para prestação de serviços e aquisições de materiais por meio do Sistema de Registro de Preços – SRP e este revogaram os demais decretos que trata do SRP, para toda a Administração Pública Federal. Já em seu art. 3ºregra as hipóteses de utilização do sistema de registro de preços, conferindo um caráter discricionário na utilização do sistema:
 
“I - quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes;
 
II - quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;
 
III - quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou
 
IV - quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.”
 
Podemos considerar que o sistema de registro de preços é um procedimento que poderá ser utilizado nas hipóteses previstas pelo art. 3º do Decreto nº 7.892/2013, com o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, formando-se uma espécie de cadastro para eventual e futura contratação, quando houver a necessidade de tal contratação pela Administração.

Destaca-se que a contratação é facultativa, assim, é desnecessária a comprovação orçamentária para a realização do procedimento administrativo, no qual para as demais formas de contratação são obrigatórias.
 
O SRP impõe padronizações para a administração pública nos preços dos produtos similares, permitindo troca de informações entre os órgãos com o objetivo de evitar valores confusos dos produtos adquiridos nas mesmas condições.
 
Com o SRP percebe-se que existe um processo simplificado no processo administrativo de compra, diminuindo as licitações a serem realizadas, os custos administrativos, os fracionamentos de despesas e a diminuição no número de dispensas por licitação por valores enquadrados no Art. 24, I e II da Lei nº 8.666/93. Este sistema enfraquece a burocracia que é um entrave para o desenvolvimento das atividades da Administração. Com essa metodologia de compras torna-se mais vantajoso, ágil e eficiente para a administração, valendo-se de um cadastro de preços previamente elaborado por meio de licitação, seja na modalidade concorrência ou pregão.

O novo decreto do sistema registro de preços tem o objetivo de estabelecer os procedimentos para a contratação de serviços e aquisições de bens em futuras compras feitas por um ou mais entes da Administração Pública Federal.
 
Esses objetivos são muito parecidos em relação à legislação anterior, no qual se destaca a instituição do procedimento de Intenções de Registro de Preços, no qual o Órgão Gerenciado deve registrá-la no portal de compras do Governo Federal e operacionalizado pelo Sistema de Administração e Serviços Gerais - SIASG.

O Sistema de Registro de Preços deverá ter um órgão gerenciador, no qual a prática de todos os atos de controle e administração é de sua inteira responsabilidade. O art. 5º do Decreto nº 7.892/2013, relaciona as competências do Gerenciador:
 
“I - registrar sua intenção de registro de preços no Portal de Compras do Governo federal;
 
II - consolidar informações relativas à estimativa individual e total de consumo, promovendo a adequação dos respectivos termos de referência ou projetos básicos encaminhados para atender aos requisitos de padronização e racionalização;
 
III - promover atos necessários à instrução processual para a realização do procedimento licitatório;
 
IV - realizar pesquisa de mercado para identificação do valor estimado da licitação e consolidar os dados das pesquisas de mercado realizadas pelos órgãos e entidades participantes;
 
V - confirmar junto aos órgãos participantes a sua concordância com o objeto a ser licitado, inclusive quanto aos quantitativos e termo de referência ou projeto básico;
 
VI - realizar o procedimento licitatório;
 
VII - gerenciar a ata de registro de preços;
 
VIII - conduzir eventuais renegociações dos preços registrados;
 
IX - aplicar, garantida a ampla defesa e o contraditório, as penalidades decorrentes de infrações no procedimento licitatório; e
 
X - aplicar, garantida a ampla defesa e o contraditório, as penalidades decorrentes do descumprimento do pactuado na ata de registro de preços ou do descumprimento das obrigações contratuais, em relação às suas próprias contratações.”

Como anteriormente, o atual Decreto prevê o órgão participante, no qual a grande novidade é que ele tem que registrar no SIASG a Intenção de Registro de Preço e conforme art. 6º do Decreto 7.892/2013 no qual diz que;
 
“será responsável pela manifestação de interesse em participar do registro de preços, providenciando o encaminhamento ao órgão gerenciador de sua estimativa de consumo, local de entrega e, quando couber, cronograma de contratação e respectivas especificações ou termo de referência ou projeto básico.”

Para o registro de preços será incluído em ata todos os licitantes que aceitarem cotar os bens ou serviços com preços iguais ao licitante vencedor do certame, isto para formar cadastro de reserva em caso de desistência do vencedor.
 
O prazo de validade de ata de registro de preços deve constar no instrumento convocatório, pode ser prorrogável, mas com todas as prorrogações não pode exceder a 12 meses,continuam vedados acréscimos nos quantitativos fixados pela ata. Já os contratos poderão ser alterados e deverá ser assinados antes do vencimento da ata.
 
Vale ressaltar que o novo decreto cita uma possibilidade de revisar os preços registrados, para mais ou para menos, diante da ocorrência de fato que eleve o custo dos serviços ou bens registrados, ou diante de eventual redução dos preços praticados no mercado.

Não podemos deixar de destacar a utilização da ata de registro de preços por órgãos ou entidades não participantes, os famosos “CARONAS” O antigo Decreto nº 3.931/2001 tratava no seu art. 8º do instituto da adesão à ata de registro de preços, quando ele permitia que órgãos e entidades da Administração que não participaram da licitação, após consultar o órgão gerenciador e o fornecedor registrado, demonstrava a vantagem de adesão e de celebrar contratos valendo-se da ata de registro de preços do outro ente.

Os caronas de acordo com o novo decreto se tornaram mais restrito quando compararmos com o decreto anterior, tendo em vista os limites e exigências impostos pelo Decreto de 2013. Os caronas são admitidos, desde que devidamente justificada a vantagem, vigente a ata de registro de preços e mediante anuência do órgão gerenciador, permitindo o fornecedor beneficiário optar pela aceitação ou não do fornecimento decorrente da adesão, mas com uma condição; que não exista prejuízo para as obrigações presentes e futuras decorrentes da ata, por ele assumidas com os órgãos gerenciadores e participantes.

Uma novidade importante, diz respeito ao dever do órgão não participante que aderiu determinada ata de registro de preços em efetivar a aquisição ou contratação em até noventa dias contados da autorização do órgão gerenciador.

Um dos maiores avanços do Decreto nº 7.892/2013, por meio do art. 22 impôs limites aos Caronas em até 100% da quantidade contratada por carona e em até 500% da quantidade total contratada podem ser destinados aos Caronas. Assim, a possibilidade de um fornecedor vender ao governo federal mediante Registro de Preços é de até 6 vezes a quantidade nele registrado. Percebe-se até aqui que houve a intenção de limitar o quantitativo de caronas e de aumentar o número de órgãos participantes.

Outra alteração que merece destaque pelo §8º e §9º do art. 22 do Decreto nº 7.892/2013 diz respeito à vedação aos órgãos e entidades da administração pública federal aderir à ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual e a faculdade conferida aos órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais de aderirem a ata de registro de preços da Administração Pública Federal (art. 22,§9º). A vedação contida no art. 22, §8º do Decreto nº 7.892/2013, já era prevista na Orientação Normativa nº 21/2009, da Advocacia Geral da União.

Conclusão

Conclui-se que a utilização do Sistema de Registro de Preços importa uma série de vantagens para a Administração Pública e a possibilidade do “carona” é uma forma inteligente e vantajosa para ser utilizada pelos entes públicos, desde que o façam nos limites previstos pelo Decreto nº 7.892/2013, que se mostram compatíveis e razoáveis.

Portanto, verifica-se que alteraram razoavelmente o Sistema de Registro de Preços no Brasil com previsões que delimitam tanto a atuação do Poder Público não participante da ata como as empresas que se utilizam das atas de registro de preços para o incremento de suas vendas ao governo.

O decreto tem a proposta de melhorar o gerenciamento, divulgação, integração e o controle da gestão das atas. O novo decreto estrutura a norma do Sistema de Registro de Preço com o objetivo de facilitar a aplicação do sistema pelos órgãos públicos. Além disso, a nova regulamentação institui oficialmente as Intenções de Registro de Preços, que agora devem ser adotadas obrigatoriamente pelas instituições, assim, ficará mais evidente quantos órgãos tem intenção de contratação de serviços ou aquisição de bens .

O instrumento convocatório deverá prever, ainda, que o quantitativo decorrente das adesões posteriores não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo de cada item registrado na ata de registro de preços, independente da quantidade de órgãos não participantes.

De acordo com as obrigações que o decreto impõe vai trazer uma maior economicidade para a administração pública porque reduz, por exemplo, o número de licitações e fortalece a atuação das instituições responsáveis pelas licitações.
O decreto ainda destaca a obrigação do órgão gerenciador de pesquisar e estimar o valor da licitação, cabendo a esta entidade o gerenciamento da ata de registro de preços e o registro de sua IRP – Intenções de Registro de Preço no Portal de Compras do Governo Federal.

Por: Ilo Jorge de Souza Pereira
Especialista em Gestão Pública e Política.