terça-feira, 24 de julho de 2018

CONSÓRCIOS: UMA SOLUÇÃO DE COOPERAÇÃO E ESFORÇOS


PARTE 3: GRANDE RECIFE CONSÓRCIO DE TRANSPORTE
Por: Ilo Jorge de Souza Pereira
Especialista em Gestão Pública e Política
Suas funções, competências, estrutura organizacional, relação de autoridades, horários de atendimento e legislação do Órgão.
Após a extinção da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU/Recife), foi criado formalmente, no dia 08 de setembro de 2008, o Grande Recife Consórcio de Transporte, que é a primeira experiência de consórcio no setor de transporte de passageiros em todo o País.
Órgão vinculado a Secretaria das Cidades.

A criação do Grande Recife só foi possível graças à lei federal nº 11.107, de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios constituírem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum.

Até chegar a criação formal da empresa, o governo estadual – através da Secretaria das Cidades e da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) – percorreu um longo processo. Ao longo de 2007, o projeto de Lei que criava o consórcio foi analisado, votado e aprovado pela Assembleia Legislativa. As câmaras municipais de Recife e Olinda votaram e aprovaram a adesão do executivo municipal ao projeto.

Ainda no final de 2007, foi instituído o Comitê de Transição responsável pela coordenação do processo de criação formal do CTM e da migração dos serviços e pessoal da EMTU.

Ao longo dos meses, o comitê trabalhou na elaboração e obtenção da documentação que garantiu a formalização do CTM, com ênfase para o contrato de constituição e a elaboração e aprovação (na Assembleia Legislativa) da Lei nº 13.461, de 09/06/2008 que altera a Lei estadual nº 12.524, de 30/12/03, para inserir o Grande Recife na estrutura organizacional da Agência de Regulação de Pernambuco (ARPE).

Além disso, os técnicos do comitê desenvolveram a proposta de estrutura organizacional, que dimensionou o tamanho da nova empresa.

Com a eleição da direção do Grande Recife, a liquidação da EMTU começou a ser executada de imediato. A chegada do Consórcio marca uma nova forma de tratar a questão do transporte público de passageiros. A gestão plenamente compartilhada traz maior integração ao sistema, garantindo a ampliação e a melhoria na prestação de serviços.

Hoje, o Grande Recife Consórcio de Transporte é uma empresa consolidada, com mais de 300 funcionários, e gerencia um sistema operacionalizado por 18 empresas de ônibus, que realizam mais de 26 mil viagens por dia, transportando cerca de 2 milhões de passageiros, diariamente. São mais de 3 mil ônibus e 390 linhas, atendendo a toda a RMR, com itinerários e quadros de horário que procuram beneficiar as comunidades mais distantes, independente do retorno financeiro. Novas ideias estão sendo consolidadas para que essa história continue no rumo da evolução.

O Grande Recife traduz o desejo e o empenho de uma gestão focada no cidadão.


Principais funções

- Planejar e gerir o STPP/RMR assegurando a qualidade e a universalidade dos serviços;

- Contratar os serviços de transportes, através de licitação pública;

- Regulamentar as atividades concedidas, e

- Fiscalizar e atualizar os contratos de concessão.

Reforma Institucional – Substituição da EMTU/Recife pelo Grande Recife Consórcio de Transportes
  • Fortalecimento da gestão metropolitana;
  • Melhoria na qualidade e a eficiência do Órgão Gestor, com a reestruturação da empresa;
  • Integração do Planejamento, da Operação e dos Recursos Financeiros do Estado e dos Municípios, e
  • Fortalecimento do papel dos municípios na gestão do STPP/RMR, através de uma instituição sólida, fundamentada na Lei nº 11.107/05.
Reforma Operacional
  • Implantação mais rápida do SEI, com maior prioridade para o transporte e com ações conjuntas do Estado e dos municípios;
  • Maiores investimentos em infraestrutura e tecnologia;
  • Maior integração operacional e tarifária entre redes municipais e metropolitana;
  • Eliminação da competição do transporte clandestino;
  • Maior sustentabilidade financeira com responsabilidade social,
  • Melhoria na eficiência e qualidade dos serviços de transporte na RMR.
Reforma Contratual
Transição do modelo de permissão para Concessão, através de licitação pública, objetivando:
  • Cumprimento da obrigação de licitação estabelecida na Constituição Federal;
  • Menor custo de remuneração para concorrer no mercado – maior competitividade, e
  • Incentivos a melhores práticas gerenciais – melhor serviço para os usuários.

VANTAGENS DO CONSÓRCIO
Para os Municípios
  • Participação efetiva no planejamento e na gestão do STPP/RMR;

  • Maior qualidade na gestão do Sistema com redução de custos;

  • Maior integração operacional e tarifária através do SEI = melhor percepção da qualidade do serviço municipal pelos usuários;

  • Facilidade na obtenção de financiamentos para investimentos no setor de transportes, respaldada na credibilidade do órgão gestor e do Sistema;

  • Otimização na aplicação dos recursos materiais e financeiros,e

  • Acesso a novas tecnologias, como por exemplo, ao sistema de bilhetagem eletrônica e a instrumentos de gestão e de controle operacional (GPS).

Para os usuários
  • Maior transparência na gestão: Empresa única responsável pelo planejamento, operação e fiscalização dos sistemas municipais e metropolitano;

  • Integração do sistema de transporte metropolitano com ações municipais relacionadas ao uso do solo, trânsito e sistema viário;

  • Maior mobilidade e inclusão social, com aceleração na implantação do SEI – mais alternativas de deslocamentos com o pagamento de uma tarifa;

  • Maior facilidade para obtenção de subsídios tarifários;

  • Universalidade, com uniformização de tecnologias, da infraestrutura do nível de serviço das linhas de metrô, ônibus e veículos de pequeno porte, independente de limites municipais, e

  • Melhoria da qualidade do transporte com maior quantidade de investimentos no setor.


Para os empresários
  • Empresa única, com Estado e municípios, responsável pela gestão e pelo equilíbrio econômico financeiro do STPP/RMR;
  • Facilidade para obtenção de recursos financeiros para subsídios tarifários e renovação de seus equipamentos;
  • Maior racionalização dos serviços e compatibilização das redes metropolitana e municipais (ônibus e VPP), e
  • Instrumento contratual transparente, com obrigatoriedade de pagamento pelos serviços prestados (Contrato de Concessão).

Diferenças: (EMTU) VERSUS (CONSÓRCIO)
Item
EMTU
Consórcio
Gestão do sistema
EMTU + Municípios
Conjunta
Nível de participação municipal
na gestão metropolitana
Limitada
Ativa
Forma de participação municipal na gestão metropolitana
Através de Convênios
Como sócio
Estrutura jurídica
Empresa Estadual
Empresa Pública
Multi-federativa
Obtenção de financiamentos
para o Sistema
Difícil
Mais fácil
Relação contratual com
operadores do sistema
Precária
(permissões)
Sólida
(contratos de concessão)
Posicionamento frente a terceiros
(usuário/governo federal)
Menos sólido
Mais sólido


terça-feira, 17 de julho de 2018

CONSÓRCIOS: UMA SOLUÇÃO DE COOPERAÇÃO E ESFORÇOS


PARTE 2: CONSTITUIÇÃO DE CONSÓRCIO DE EMPRESAS
Por: Ilo Jorge de Souza pereira 
Especialista em Gestão Pública e Política
O consórcio de empresas consiste na associação de companhias ou qualquer outra sociedade, sob o mesmo controle ou não, que não perderão sua personalidade jurídica, para obter finalidade comum ou determinado empreendimento, geralmente de grande vulto ou de custo muito elevado, exigindo para sua execução conhecimento técnico especializado e instrumental técnico de alto padrão. Há ainda a recente legislação sobre consórcios públicos, que traz grandes diferenças em relação aos consórcios privados. A legislação aplicada é a de finanças públicas, por exemplo.

1. OBJETIVOS DO CONSÓRCIO
2. CARACTERÍSTICAS DO CONSÓRCIO
3. CONSTITUIÇÃO DO CONSÓRCIO
4. ARQUIVAMENTO DO CONTRATO
5. OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NO CNPJ
6. ENCERRAMENTO DO CONSÓRCIO
7. GRUPO DE SOCIEDADES
8. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO
9. MODELO DE CONTRATO


1. OBJETIVOS DO CONSÓRCIO
 
As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, desde que observem o disposto nos artigos 278 e 279 da Lei 6.404, de 1976 (Lei das Sociedades por Ações).
As empresas se organizam em consórcios a fim de potencializar suas atividades empresariais e competir com maior força no mercado.
 
Os principais tipos de consórcios de empresas são constituídos para:
a) execução de grandes obras de engenharia;
b) atuação no mercado de capitais;
c) acordos exploratórios de serviços de transporte;
d) exploração de atividades minerais e correlatas;
e) atividades de pesquisa ou uso comum de tecnologia;
f) licitações públicas.
É vedada a participação em consórcios aos empresários (antigas firmas individuais).

2. CARACTERÍSTICAS DO CONSÓRCIO
O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.
A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as demais contratantes. Assim, em caso de falência, os créditos da falida, porventura existentes, serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio.
Em tempo: Primeiramente é importante dizer que o Direito se preocupa com o homem e com suas relações, e para tal, determina as condutas a serem seguidas como forma de permitir a vida social pacífica.
Dessa forma, sabe-se que toda a pessoa natural possui a aptidão de exercer direitos e deveres na Ordem Jurídica, ou seja, todas as pessoas têm a possibilidade de exercê-los.
A esse atributo, inerente a todas as pessoas, sem qualquer restrição, dá-se o nome de personalidade jurídica.
Assim, pode-se dizer que a personalidade jurídica é uma criação do Direito, para que o indivíduo seja considerado pessoa, e, portanto, tenha direitos e obrigações. 
Essa regra está no art. 1º do Código Civil Brasileiro, que dispõe que toda pessoa é capaz de direitos e obrigações na vida civil. 
3. CONSTITUIÇÃO DO CONSÓRCIO
O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do Ativo Permanente. No contrato de consórcio deverão constar, obrigatoriamente:
a) a designação do consórcio, se houver;
b) o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
c) a duração, endereço e foro;
d) a definição das obrigações e responsabilidades de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas;
e) as normas sobre o recebimento de receitas e a partilha de resultados;
f) as normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver;
g) a forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado;
h) a contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver.

APROVAÇÃO DO CONTRATO DE CONSÓRCIO
São competentes para aprovação do contrato de consórcio:
a) nas sociedades anônimas:
– o Conselho de Administração, quando houver, salvo disposição estatutária em contrário;
– a assembleia geral, quando inexistir o Conselho de Administração;
b) nas sociedades contratuais: os sócios, por deliberação majoritária;
c) nas sociedades em comandita por ações: a assembleia geral.

4. ARQUIVAMENTO DO CONTRATO
O contrato de consórcio, suas alterações e extinção serão arquivados em prontuário próprio na Junta Comercial do lugar da sua sede, devendo ser apresentada a seguinte documentação:
a) Capa de Processo/Requerimento;
b) contrato, alteração ou distrato do consórcio, no mínimo, em três vias, sendo pelo menos uma original;
c) decreto de autorização do Presidente da República, no caso de consórcio de mineração;
d) comprovante de pagamento do preço do serviço: recolhimento estadual.

A certidão do arquivamento deverá ser publicada na forma da lei.

5. OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NO CNPJ
Todas as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas, estão obrigadas a se inscrever no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), observadas as normas aprovadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
O consórcio de empresas, embora não possua personalidade jurídica, também está obrigado a se inscrever no CNPJ.

6. ENCERRAMENTO DO CONSÓRCIO

O consórcio se encerra uma vez executado o empreendimento para o qual foi constituído.

7. GRUPO DE SOCIEDADES
O consórcio de empresas, examinado neste Comentário, não se confunde com grupo de sociedades, também permitido pela Lei das S/A. O grupo é constituído mediante convenção, pela qual as sociedades se obrigam a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.
Cada empresa integrante do grupo conserva a personalidade jurídica e a individualidade de seu patrimônio, mas se subordina a uma sociedade controladora, ou de comando do grupo, que deve ser brasileira e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das filiadas.
8. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO
Como não tem personalidade jurídica, o consórcio não recolhe tributos como ICMS, IPI, ISS, PIS, COFINS, IR. Quem o faz são as consorciadas, na razão de suas atividades e arrecadações, quando atuam pelo consórcio.
Os impostos recolhidos na fonte serão objeto de contabilidade posterior de cada organização que o compuser, na forma que estiver descrito no contrato, compensando-se posteriormente por rateio entre as consorciadas. Por não ter personalidade jurídica, o consórcio não fatura, não apura lucro, não contrata e, portanto, não pode ser contribuinte de impostos.
Na hipótese do consórcio efetuar faturamento, não se tratará mais de consórcio, mas de nova empresa, sujeita, daí, as regras próprias e independentes de contabilização e tributação, como autônoma que é.
9. MODELO DE CONTRATO
Para melhor ilustrar nosso trabalho, apresentamos a seguir um modelo de contrato de consórcio de empresas:

CONTRATO DE CONSÓRCIO EMPRESARIAL

Que fazem __________ (razão social ou denominação social da 1ª empresa), com sede na rua___________, nº ______, cidade______________, Estado______________, NIRE nº ______________, CNPJ nº _______________, neste ato representada pelo seu ______________ (gerente ou diretor) _______________ (nome completo e qualificação, com nº da carteira de identidade, órgão expedidor e nº do CPF e endereço), e ______________ (razão social ou denominação social da 2ª empresa), com sede na rua ______________, nº ______ cidade __________, Estado ________, NIRE nº _________, CNPJ nº ____________, neste ato representada pelo seu __________ (gerente ou diretor) ___________ (nome completo e qualificação, com nº da carteira de identidade, órgão expedidor e nº do CPF e endereço) (e assim sucessivamente até completar as empresas participantes do consórcio) com a finalidade única de constituir um consórcio entre as empresas contratantes, que será regulado pelo que constar nas cláusulas seguintes:

1ª CLÁUSULA: O Consórcio terá a designação de __________ (denominação, se houver).
2ª CLÁUSULA: O presente Consórcio é formado para _______________ (discriminar o empreendimento que será objeto), e sua duração será por ________ (especificar o prazo de duração do consórcio).
3ª CLÁUSULA: A administração central e geral será na rua __________, nº ________, na cidade de ____________, Estado ____________, onde também será seu foro jurídico, renunciando as partes, qualquer outro foro, por mais privilegiado que seja.
4ª CLÁUSULA: O Consórcio será administrado pela consorciada _____________ (especificar o nome da consorciada responsável pela administração), que designa o sr. ______________ (nome completo e qualificação, com endereço, nº do CPF e nº e órgão expedidor da carteira de identidade), para representá-la em todos os atos administrativos, respondendo, inclusive, em juízo ou fora dele (citar ainda quais as demais atribuições e poderes da administração).
5ª CLÁUSULA: As empresas consorciadas terão os seguintes desempenhos e obrigações a serem cumpridos durante a vigência do presente contrato:
Compete à empresa ________________ (denominação ou razão social da 1ª empresa) _____________ (definir suas obrigações e atribuições).
Compete à empresa ________________ (denominação ou razão social da 2ª empresa) _____________ (definir suas obrigações e atribuições).

6ª CLÁUSULA: A receita dos serviços contratados será contabilizada da seguinte forma: (especificar como será a emissão das notas fiscais, a forma de contabilização e qual a proporção da partilha do resultado).
7ª CLÁUSULA: As empresas consorciadas pagarão uma taxa a título de despesas de administração, equivalente a ___________ (especificar forma de contribuição, se houver).
8ª CLÁUSULA: As deliberações serão tomadas da seguinte forma: (determinar como serão as deliberações, o nº de votos atribuído a cada consorciado, etc.)
9ª CLÁUSULA: (estabelecer outras normas ou regras a serem convencionadas, assim como previsão de prorrogação do prazo de existência do consórcio, em razão de atraso na conclusão dos serviços, etc).
E, por assim estarem certos e de pleno acordo, assinam o presente instrumento, em 3 (três) vias de igual teor e forma, os representantes das consorciadas e duas testemunhas instrumentais.

Local e data

Seguem-se as assinaturas. As testemunhas deverão assinar sobre seus nomes legíveis e com o número e o órgão de expedição de suas carteiras de identidade.

FUNDAMENTAÇÃO LEGAL: Lei nº6.404, de 15/12/76 – Lei das Sociedades por Ações – artigos 265, 278 e 279; Lei nº 9.457, de 5/5/97 – art. 1º; Decreto nº 3.000, de 26/3/99 – Regulamento do Imposto de Renda – artigos 214 e 215; Instrução Normativa nº 74 DNRC, de 28/12/98; Instrução Normativa nº 748 RFB, 28/6/2007 – artigos 10, caput e 11, inciso III; Resolução nº 1.053 - CFC, de 7/10/2005 – item 10.2.1.4.


segunda-feira, 16 de julho de 2018

CONSÓRCIOS: UMA SOLUÇÃO DE COOPERAÇÃO E ESFORÇOS


 
PARTE 1: O TRATAMENTO LEGAL DOS CONSÓRCIOS
Por: Ilo Jorge de Souza pereira
Especialista em Gestão Pública e Política
Ocupo-me neste artigo de um problema específico suscitado pelo desenvolvimento das relações de cooperação de esforços entre empresas, cujo instrumento jurídico de base é o contrato inter-empresarial de consórcio, no caso utilizado para o desempenho de determinado empreendimento, qual seja, a prestação do serviço público de transporte coletivo de passageiros.
A escolha do tema deixa de fora muitas outras questões de direito produzidas por esta modalidade de contrato de cooperação de empresas, isso porque o propósito da opção é contribuir para a discussão de assunto cuja regulação jurídica se apresenta como um desafio recente e imenso, que preocupa empreendedores e seus advogados.
Como a ordem jurídica brasileira, neste caso, regula a responsabilidade solidária das empresas consorciadas ?
Para abordar o problema principiarei por destacar tratamento legal dos consórcios entre nós (I) para, adiante, efetuar algumas ligeiras considerações sobre os consórcios e suas diferentes modalidades, pois considero que estas são úteis para a compreensão da matéria (II).
Em relação a esta última, pretendo tecer considerações sobre a responsabilidade dos consorciados tanto frente aos Poderes Concedentes como perante terceiros (III).
Em derradeiro terminarei por apresentar considerações finais (IV).
I – O tratamento legal dos consórcios
Entre nós, consórcio é experiência há muito utilizada pelo empresariado, principalmente os que têm atividade ligada ao setor das grandes obras públicas, mas o tratamento legal da dessa modalidade de contrato inter-empresarial era, antecedentemente, objeto de legislação esparsa.
Primeiramente, dele cuidou o vetusto Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934, artigo 201). Depois a antiga Lei nº 4.726/1965, já revogada, disciplinou o arquivamento do contrato de constituição de consórcio. Também a Lei nº 4.728/1965, que dispõe sobre o mercado de capitais, no seu artigo 15, trata da organização de consórcio para colocação de títulos e valores mobiliários no mercado.
A Lei nº 4.137/72, fazia uma referência a agrupamento de empresas no seu artigo 72, para alguns gêneros do qual o consórcio seria espécie. Posteriormente, o Decreto nº 73.140/1973, também já revogado, disciplinou a participação de consórcios nas licitações, conforme se via nos seus artigos 22 e 23.
Nos dias de hoje temos a Lei nº 6.404/1976, que confere aos consórcios o seguinte regime legal:
CAPÍTULO XXII
Consórcio
Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.
§ 1º. O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.
§ 2º. A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio.
Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão:
I – a designação do consórcio se houver;
II – o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
III – a duração, endereço e foro;
IV – a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas;
V – normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados;
VI – normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver;
VII – forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado; e
VIII – contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver.
Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio, (em nosso estado na JUCEPE) do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada.
Na conformidade do regime legal acima delineado resulta claro, que as empresas se reúnem por intermédio do contrato de consórcio para, em relação de horizontalidade, sem constituírem pessoa jurídica distinta e, portanto, preservada a autonomia jurídica e patrimonial de cada uma, executarem determinado empreendimento, com vistas à satisfação do interesse individual de cada consorte.
A responsabilidade, sob o regime da mencionada Lei, é regulada pelo contrato, e somente haverá solidariedade se os contraentes assim deliberarem, pois cada um responde por suas obrigações, inexistindo presunção de solidariedade.
Sob o regime da Lei Federal nº 8.666/1993, a disciplina dos contratos de consórcio manteve-se a mesma, salvo em matéria de responsabilidade, que recebeu do legislador conformação diversa, com vistas a ampliar garantias em prol do interesse público, consoante se destaca a seguir:
Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:
I - comprovação do compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados;
II - indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de liderança, obrigatoriamente fixadas no Edital;
III - apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31, desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei;
IV - impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente;
V - responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato.
§1º. No consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança caberá, obrigatoriamente, à empresa brasileira, observado o disposto no inciso II deste artigo.
§2º. O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e o registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo.
A peculiaridade da responsabilidade solidária está presente, também, nas disposições da Lei nº 8.987/1995, que dispôs sob o regime da concessão e permissão para a prestação de serviço público, conforme se destaca abaixo:
Art. 19. Quando permitida, na licitação, a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:
I – comprovação de compromisso, público ou particular, de constituição de consórcio, subscrito pelas consorciadas;
II – indicação da empresa responsável pelo consórcio;
III – apresentação dos documentos exigidos nos incisos V e XIII do artigo anterior, por parte de cada consorciada;
IV – impedimento de participação de empresas consorciadas na mesma licitação, por intermédio de mais de um consórcio ou isoladamente.
§ 1º. O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo.
§ 2º. A empresa líder do consórcio é a responsável perante o poder concedente pelo cumprimento do contrato de concessão, sem prejuízo da responsabilidade solidária das demais consorciadas.
Mais recentemente, a Lei nº 12.402, de 2 de maio de 2011, mediante disposição especial, regulou a responsabilidade do consórcio em matéria de tributo, no caso deste realizar contratações em nome próprio, e estatuiu que, em tal hipótese, há responsabilidade solidária das empresas consorciadas (art. 1º, §§ 1º e 2º, observado, também, seus §§ 3º e 4º ).
Bem, a partir da resenha legislativa supra, com ênfase na Lei nº 6.404/1976, resulta exposto que o legislador optou por conceder aos contratantes ampla liberdade para, internamente, regularem seus interesses e recíprocas obrigações, respeitada, porém, a regulação peculiar dos contratos dos consórcios constituídos para a contratação com a Administração Pública, cujos ajustes, por estarem sujeitos aos influxos do Direito Público, seguem lógica diversa, em especial quanto à responsabilidade dos consorciados, o mesmo ocorrendo em sede tributária.
II – Os consórcios e suas diferentes modalidades
É comum distinguir-se duas modalidades de consórcio: o interno e o externo. Diz-se interno o consórcio quando o objeto deste visa somente a disciplina das relações de cooperação e esforços entre os consorciados. Será externo o consórcio que se relaciona com terceiros, com vistas a execução de determinado empreendimento. Fala-se, também, de consórcios operacionais e instrumentais, bem como homogêneos e heterogêneos.
Para o propósito deste artigo, é de interesse, a meu ver, ter em conta o consórcio do tipo externo. Um bom exemplo deste modelo de consórcio é o constituído para a execução de uma grande obra. Em tal modalidade de consórcio percebe-se, por exemplo, que este assume obrigações para com o dono da obra, materializadas no contrato de construção. Mas, uma vez que em geral a atividade desenvolvida para a execução do empreendimento não é exercida em comum e, sim, individualmente pelos consorciados, também percebe-se a presença de outro feixe de relações, por intermédio do qual aqueles regulam seus recíprocos direitos e obrigações em matéria de cooperação de esforços, o que é típico do contrato de consórcio.
A este modelo de consórcio amolda-se, a meu sentir, o constituído para a prestação de serviço público de transporte coletivo de passageiros.
Com efeito, em tal consórcio flagra-se, também, a existência de dois contratos, a saber: um, o de concessão, firmado com a Administração Pública; outro, o de consórcio, que vincula os consorciados, reciprocamente, a partir da disciplina de seus direitos e obrigações em matéria da cooperação de esforços para a execução da atividade que é objeto do contrato administrativo, a qual, do mesmo modo que na construção civil, é exercida individualmente, mediante utilização de recursos próprios de cada consorciado.
III – A responsabilidade dos consorciados nas relações com o poder público e com terceiros
No âmbito da Lei nº 6.404/1976, só haverá responsabilidade solidária dos consorciados se estes assim dispuserem no contrato de constituição do consórcio, pois não se presume a solidariedade, conforme foi salientado linhas atrás.
Legislação posterior, que se reputa especial em confronto com a Lei nº 6.404/1976, ao dispor sobre as relações do consórcio com o Poder Público estabeleceu, no entanto, que os consorciados respondem, solidariamente, pelo cumprimento do contrato de concessão (Leis nº 8.666/93 e 8.987/95). O mesmo fez a Lei nº 12.402/2011, em matéria de obrigação tributária.
Pode-se dizer, com isso, que a disciplina do tema, tal como contemplada na Lei nº 6.404/1976, foi derrogada pela legislação especial posterior?
Penso que não.
As Leis posteriores que regularam a matéria tiveram, e têm, por finalidade a disciplina de certas e determinadas relações, que dizem respeito ao cumprimento do contrato de concessão, pelo que cuidam de assuntos regidos pelo Direito Público, motivo por que foram concebidas tendo em vista a tutela do interesse da Administração Pública.
Realmente, o legislador federal, ao instituir a responsabilidade solidária dos consorciados pelo cumprimento do contrato de concessão teve em vista evitar que a Administração Pública tivesse dificuldade de cobrar, especialmente, as consequências financeiras derivadas do eventual descumprimento do referido contrato, pois o instituto lhe permite exigir seu crédito de qualquer consorciado, conforme melhor lhe convir sem ter que passar pela discussão do que cabe a cada um no desempenho das atividades objeto da concessão.
Observado tal contexto, verifica-se que as disposições contidas nas Leis especiais acima mencionadas, destinadas à disciplina de modalidade particular de relações, não derrogaram a regra contida na Lei nº 6.404/1976, segundo a qual os consorciados se obrigam na conformidade do que estabelecerem no contrato, sem presunção de solidariedade, pois cada qual responde com seu patrimônio pelo que se obrigou.
Efetivamente, embora a legislação especial tenha tratado da matéria, o fez no sentido de dispor que na relação com a Administração Pública, em matéria de cumprimento do contrato de concessão, a responsabilidade dos consorciados é solidária e não se rege pelas disposições privadas que estes, em sentido diverso, podem estabelecer em contrato, conforme autoriza a Lei nº 6.404/1976. O mesmo ocorreu em sede tributária, como antes se viu.
Em reforço desse tratamento diferente do tema, importa ressaltar que a atividade objeto do contrato de concessão, no caso da prestação do serviço de transporte coletivo de passageiros, não é fruto de desempenho comum em consórcio, mas, sim, resultado de exercício individual, mediante utilização de bens e recursos próprios e singulares de cada consorciado.
Neste cenário, no qual o consórcio, carece de personalidade jurídica e não dispõe de patrimônio próprio ou comum, nada mais lógico e natural do que os consorciados, individualmente, estabelecerem, eles mesmo, relações com terceiros, comerciais ou não, daí surgindo obrigações pelas quais cada um responde também singularmente.
A este propósito, calha mencionar a doutrina de EGBERTO LACERDA TEXEIERA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, que a respeito prelecionam:
Pensamos que o consórcio não é então sujeito de direitos, não podendo, correlatamente, assumir obrigações enquanto tal. (…). São os consortes, portanto, que assumem obrigações e responsabilidades perante terceiros, cabendo-lhes, igualmente exercer os direitos decorrentes dos atos jurídicos (in Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, vol. 2, 1979, pág. 797).
Cumpre salientar que as receitas nos consórcios constituídos para a prestação do serviço público de transporte coletivo de passageiros são, em geral, recebidas, diretamente, por cada consorciado incumbido do exercício da atividade, motivo por que em tal situação não há partilha de resultados, muito menos de prejuízos, entre as empresas consorciadas.
IV – Em conclusão
Observado tal contexto, considero que o regime legal do consórcio cuida, distintamente, da responsabilidade das empresas consorciadas: ela é solidária, nas relações com a Administração Pública, em caso de descumprimento do contrato de concessão; rege-se pelo que dispuser o contrato de consórcio nas com terceiros, sem presunção de solidariedade.