PARTE
1: O TRATAMENTO LEGAL DOS CONSÓRCIOS
Por:
Ilo Jorge de Souza pereira
Especialista
em Gestão Pública e Política
Ocupo-me
neste artigo de um problema específico suscitado pelo
desenvolvimento das relações de cooperação de esforços entre
empresas, cujo instrumento jurídico de base é o contrato
inter-empresarial de consórcio, no caso utilizado para o desempenho
de determinado empreendimento, qual seja, a prestação do serviço
público de transporte coletivo de passageiros.
A
escolha do tema deixa de fora muitas outras questões de direito
produzidas por esta modalidade de contrato de cooperação de
empresas, isso porque o propósito da opção é contribuir para a
discussão de assunto cuja regulação jurídica se apresenta como um
desafio recente e imenso, que preocupa empreendedores e seus
advogados.
Como
a ordem jurídica brasileira, neste caso, regula a responsabilidade
solidária das empresas consorciadas ?
Para
abordar o problema principiarei por destacar tratamento legal dos
consórcios entre nós (I) para, adiante, efetuar algumas ligeiras
considerações sobre os consórcios e suas diferentes modalidades,
pois considero que estas são úteis para a compreensão da matéria
(II).
Em
relação a esta última, pretendo tecer considerações sobre a
responsabilidade dos consorciados tanto frente aos Poderes
Concedentes como perante terceiros (III).
Em
derradeiro terminarei por apresentar considerações finais (IV).
I
– O tratamento legal dos consórcios
Entre
nós, consórcio é experiência há muito utilizada pelo
empresariado, principalmente os que têm atividade ligada ao setor
das grandes obras públicas, mas o tratamento legal da dessa
modalidade de contrato inter-empresarial era, antecedentemente,
objeto de legislação esparsa.
Primeiramente,
dele cuidou o vetusto Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934,
artigo 201). Depois a antiga Lei nº 4.726/1965, já revogada,
disciplinou o arquivamento do contrato de constituição de
consórcio. Também a Lei nº 4.728/1965, que dispõe sobre o mercado
de capitais, no seu artigo 15, trata da organização de consórcio
para colocação de títulos e valores mobiliários no mercado.
A
Lei nº 4.137/72, fazia uma referência a agrupamento de empresas no
seu artigo 72, para alguns gêneros do qual o consórcio seria
espécie. Posteriormente, o Decreto nº 73.140/1973, também já
revogado, disciplinou a participação de consórcios nas licitações,
conforme se via nos seus artigos 22 e 23.
Nos
dias de hoje temos a Lei nº 6.404/1976, que confere aos consórcios
o seguinte regime legal:
CAPÍTULO
XXII
Consórcio
Art.
278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo
controle ou não, podem constituir consórcio para executar
determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.
§
1º. O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas
somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato,
respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de
solidariedade.
§
2º. A falência de uma consorciada não se estende às demais,
subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que
porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista
no contrato de consórcio.
Art.
279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo
órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens
do ativo não circulante, do qual constarão:
I
– a designação do consórcio se houver;
II
– o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
III
– a duração, endereço e foro;
IV
– a definição das obrigações e responsabilidade de cada
sociedade consorciada, e das prestações específicas;
V
– normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados;
VI
– normas sobre administração do consórcio, contabilização,
representação das sociedades consorciadas e taxa de administração,
se houver;
VII
– forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o
número de votos que cabe a cada consorciado; e
VIII
– contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se
houver.
Parágrafo
único. O contrato de consórcio e suas alterações serão
arquivados no registro do comércio, (em nosso estado na JUCEPE) do
lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada.
Na
conformidade do regime legal acima delineado resulta claro, que as
empresas se reúnem por intermédio do contrato de consórcio para,
em relação de horizontalidade, sem constituírem pessoa jurídica
distinta e, portanto, preservada a autonomia jurídica e patrimonial
de cada uma, executarem determinado empreendimento, com vistas à
satisfação do interesse individual de cada consorte.
A
responsabilidade, sob o regime da mencionada Lei, é regulada pelo
contrato, e somente haverá solidariedade se os contraentes assim
deliberarem, pois cada um responde por suas obrigações, inexistindo
presunção de solidariedade.
Sob
o regime da Lei Federal nº 8.666/1993, a disciplina dos contratos de
consórcio manteve-se a mesma, salvo em matéria de responsabilidade,
que recebeu do legislador conformação diversa, com vistas a ampliar
garantias em prol do interesse público, consoante se destaca a
seguir:
Art.
33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em
consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:
I
- comprovação do compromisso público ou particular de constituição
de consórcio, subscrito pelos consorciados;
II
- indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá
atender às condições de liderança, obrigatoriamente fixadas no
Edital;
III
- apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31, desta Lei
por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de
qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada
consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira,
o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua
respectiva participação, podendo a Administração estabelecer,
para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos
valores exigidos para licitante individual, inexigível este
acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por
micro e pequenas empresas assim definidas em lei;
IV
- impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma
licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente;
V
- responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados
em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução
do contrato.
§1º.
No consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança
caberá, obrigatoriamente, à empresa brasileira, observado o
disposto no inciso II deste artigo.
§2º.
O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração
do contrato, a constituição e o registro do consórcio, nos termos
do compromisso referido no inciso I deste artigo.
A
peculiaridade da responsabilidade solidária está presente, também,
nas disposições da Lei nº 8.987/1995, que dispôs sob o regime da
concessão e permissão para a prestação de serviço público,
conforme se destaca abaixo:
Art.
19. Quando permitida, na licitação, a participação de empresas em
consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:
I
– comprovação de compromisso, público ou particular, de
constituição de consórcio, subscrito pelas consorciadas;
II
– indicação da empresa responsável pelo consórcio;
III
– apresentação dos documentos exigidos nos incisos V e XIII do
artigo anterior, por parte de cada consorciada;
IV
– impedimento de participação de empresas consorciadas na mesma
licitação, por intermédio de mais de um consórcio ou
isoladamente.
§
1º. O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da
celebração do contrato, a constituição e registro do consórcio,
nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo.
§
2º. A empresa líder do consórcio é a responsável perante o poder
concedente pelo cumprimento do contrato de concessão,
sem
prejuízo da responsabilidade solidária das demais consorciadas.
Mais
recentemente, a Lei nº 12.402, de 2 de maio de 2011, mediante
disposição especial, regulou a responsabilidade do consórcio em
matéria de tributo, no caso deste realizar contratações em nome
próprio, e estatuiu que, em tal hipótese, há responsabilidade
solidária das empresas consorciadas (art. 1º, §§ 1º e 2º,
observado, também, seus §§ 3º e 4º ).
Bem,
a partir da resenha legislativa supra, com ênfase na Lei nº
6.404/1976, resulta exposto que o legislador optou por conceder aos
contratantes ampla liberdade para, internamente, regularem seus
interesses e recíprocas obrigações, respeitada, porém, a
regulação peculiar dos contratos dos consórcios constituídos para
a contratação com a Administração Pública, cujos ajustes, por
estarem sujeitos aos influxos do Direito Público, seguem lógica
diversa, em especial quanto à responsabilidade dos consorciados, o
mesmo ocorrendo em sede tributária.
II
– Os consórcios e suas diferentes modalidades
É
comum distinguir-se duas modalidades de consórcio: o interno e o
externo. Diz-se interno o consórcio quando o objeto deste visa
somente a disciplina das relações de cooperação e esforços entre
os consorciados. Será externo o consórcio que se relaciona com
terceiros, com vistas a execução de determinado empreendimento.
Fala-se, também, de consórcios operacionais e instrumentais, bem
como homogêneos e heterogêneos.
Para
o propósito deste artigo, é de interesse, a meu ver, ter em conta o
consórcio do tipo externo. Um bom exemplo deste modelo de consórcio
é o constituído para a execução de uma grande obra. Em tal
modalidade de consórcio percebe-se, por exemplo, que este assume
obrigações para com o dono da obra, materializadas no contrato de
construção. Mas, uma vez que em geral a atividade desenvolvida para
a execução do empreendimento não é exercida em comum e, sim,
individualmente pelos consorciados, também percebe-se a presença de
outro feixe de relações, por intermédio do qual aqueles regulam
seus recíprocos direitos e obrigações em matéria de cooperação
de esforços, o que é típico do contrato de consórcio.
A
este modelo de consórcio amolda-se, a meu sentir, o constituído
para a prestação de serviço público de transporte coletivo de
passageiros.
Com efeito, em tal consórcio flagra-se, também, a existência de dois contratos, a saber: um, o de concessão, firmado com a Administração Pública; outro, o de consórcio, que vincula os consorciados, reciprocamente, a partir da disciplina de seus direitos e obrigações em matéria da cooperação de esforços para a execução da atividade que é objeto do contrato administrativo, a qual, do mesmo modo que na construção civil, é exercida individualmente, mediante utilização de recursos próprios de cada consorciado.
Com efeito, em tal consórcio flagra-se, também, a existência de dois contratos, a saber: um, o de concessão, firmado com a Administração Pública; outro, o de consórcio, que vincula os consorciados, reciprocamente, a partir da disciplina de seus direitos e obrigações em matéria da cooperação de esforços para a execução da atividade que é objeto do contrato administrativo, a qual, do mesmo modo que na construção civil, é exercida individualmente, mediante utilização de recursos próprios de cada consorciado.
III
– A responsabilidade dos consorciados nas relações com o poder
público e com terceiros
No
âmbito da Lei nº 6.404/1976, só haverá responsabilidade solidária
dos consorciados se estes assim dispuserem no contrato de
constituição do consórcio, pois não se presume a solidariedade,
conforme foi salientado linhas atrás.
Legislação
posterior, que se reputa especial em confronto com a Lei nº
6.404/1976, ao dispor sobre as relações do consórcio com o Poder
Público estabeleceu, no entanto, que os consorciados respondem,
solidariamente, pelo cumprimento do contrato de concessão (Leis nº
8.666/93 e 8.987/95). O mesmo fez a Lei nº 12.402/2011, em matéria
de obrigação tributária.
Pode-se
dizer, com isso, que a disciplina do tema, tal como contemplada na
Lei nº 6.404/1976, foi derrogada pela legislação especial
posterior?
Penso
que não.
As
Leis posteriores que regularam a matéria tiveram, e têm, por
finalidade a disciplina de certas e determinadas relações, que
dizem respeito ao cumprimento do contrato de concessão, pelo que
cuidam de assuntos regidos pelo Direito Público, motivo por que
foram concebidas tendo em vista a tutela do interesse da
Administração Pública.
Realmente,
o legislador federal, ao instituir a responsabilidade solidária dos
consorciados pelo cumprimento do contrato de concessão teve em vista
evitar que a Administração Pública tivesse dificuldade de cobrar,
especialmente, as consequências financeiras derivadas do eventual
descumprimento do referido contrato, pois o instituto lhe permite
exigir seu crédito de qualquer consorciado, conforme melhor lhe
convir sem ter que passar pela discussão do que cabe a cada um no
desempenho das atividades objeto da concessão.
Observado
tal contexto, verifica-se que as disposições contidas nas Leis
especiais acima mencionadas, destinadas à disciplina de modalidade
particular de relações, não derrogaram a regra contida na Lei nº
6.404/1976, segundo a qual os consorciados se obrigam na conformidade
do que estabelecerem no contrato, sem presunção de solidariedade,
pois cada qual responde com seu patrimônio pelo que se obrigou.
Efetivamente,
embora a legislação especial tenha tratado da matéria, o fez no
sentido de dispor que na relação com a Administração Pública, em
matéria de cumprimento do contrato de concessão, a responsabilidade
dos consorciados é solidária e não se rege pelas disposições
privadas que estes, em sentido diverso, podem estabelecer em
contrato, conforme autoriza a Lei nº 6.404/1976. O mesmo ocorreu em
sede tributária, como antes se viu.
Em
reforço desse tratamento diferente do tema, importa ressaltar que a
atividade objeto do contrato de concessão, no caso da prestação do
serviço de transporte coletivo de passageiros, não é fruto de
desempenho comum em consórcio, mas, sim, resultado de exercício
individual, mediante utilização de bens e recursos próprios e
singulares de cada consorciado.
Neste
cenário, no qual o consórcio, carece de personalidade jurídica e
não dispõe de patrimônio próprio ou comum, nada mais lógico e
natural do que os consorciados, individualmente, estabelecerem, eles
mesmo, relações com terceiros, comerciais ou não, daí surgindo
obrigações pelas quais cada um responde também singularmente.
A
este propósito, calha mencionar a doutrina de EGBERTO LACERDA
TEXEIERA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, que a respeito
prelecionam:
Pensamos
que o consórcio não é então sujeito de direitos, não podendo,
correlatamente, assumir obrigações enquanto tal. (…). São os
consortes, portanto, que assumem obrigações e responsabilidades
perante terceiros, cabendo-lhes, igualmente exercer os direitos
decorrentes dos atos jurídicos (in Das Sociedades Anônimas no
Direito Brasileiro, vol. 2, 1979, pág. 797).
Cumpre
salientar que as receitas nos consórcios constituídos para a
prestação do serviço público de transporte coletivo de
passageiros são, em geral, recebidas, diretamente, por cada
consorciado incumbido do exercício da atividade, motivo por que em
tal situação não há partilha de resultados, muito menos de
prejuízos, entre as empresas consorciadas.
IV
– Em conclusão
Observado
tal contexto, considero que o regime legal do consórcio cuida,
distintamente, da responsabilidade das empresas consorciadas: ela é
solidária, nas relações com a Administração Pública, em caso de
descumprimento do contrato de concessão; rege-se pelo que dispuser o
contrato de consórcio nas com terceiros, sem presunção de
solidariedade.
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