segunda-feira, 16 de julho de 2018

CONSÓRCIOS: UMA SOLUÇÃO DE COOPERAÇÃO E ESFORÇOS


 
PARTE 1: O TRATAMENTO LEGAL DOS CONSÓRCIOS
Por: Ilo Jorge de Souza pereira
Especialista em Gestão Pública e Política
Ocupo-me neste artigo de um problema específico suscitado pelo desenvolvimento das relações de cooperação de esforços entre empresas, cujo instrumento jurídico de base é o contrato inter-empresarial de consórcio, no caso utilizado para o desempenho de determinado empreendimento, qual seja, a prestação do serviço público de transporte coletivo de passageiros.
A escolha do tema deixa de fora muitas outras questões de direito produzidas por esta modalidade de contrato de cooperação de empresas, isso porque o propósito da opção é contribuir para a discussão de assunto cuja regulação jurídica se apresenta como um desafio recente e imenso, que preocupa empreendedores e seus advogados.
Como a ordem jurídica brasileira, neste caso, regula a responsabilidade solidária das empresas consorciadas ?
Para abordar o problema principiarei por destacar tratamento legal dos consórcios entre nós (I) para, adiante, efetuar algumas ligeiras considerações sobre os consórcios e suas diferentes modalidades, pois considero que estas são úteis para a compreensão da matéria (II).
Em relação a esta última, pretendo tecer considerações sobre a responsabilidade dos consorciados tanto frente aos Poderes Concedentes como perante terceiros (III).
Em derradeiro terminarei por apresentar considerações finais (IV).
I – O tratamento legal dos consórcios
Entre nós, consórcio é experiência há muito utilizada pelo empresariado, principalmente os que têm atividade ligada ao setor das grandes obras públicas, mas o tratamento legal da dessa modalidade de contrato inter-empresarial era, antecedentemente, objeto de legislação esparsa.
Primeiramente, dele cuidou o vetusto Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934, artigo 201). Depois a antiga Lei nº 4.726/1965, já revogada, disciplinou o arquivamento do contrato de constituição de consórcio. Também a Lei nº 4.728/1965, que dispõe sobre o mercado de capitais, no seu artigo 15, trata da organização de consórcio para colocação de títulos e valores mobiliários no mercado.
A Lei nº 4.137/72, fazia uma referência a agrupamento de empresas no seu artigo 72, para alguns gêneros do qual o consórcio seria espécie. Posteriormente, o Decreto nº 73.140/1973, também já revogado, disciplinou a participação de consórcios nas licitações, conforme se via nos seus artigos 22 e 23.
Nos dias de hoje temos a Lei nº 6.404/1976, que confere aos consórcios o seguinte regime legal:
CAPÍTULO XXII
Consórcio
Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.
§ 1º. O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.
§ 2º. A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio.
Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão:
I – a designação do consórcio se houver;
II – o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
III – a duração, endereço e foro;
IV – a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas;
V – normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados;
VI – normas sobre administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver;
VII – forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada consorciado; e
VIII – contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver.
Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio, (em nosso estado na JUCEPE) do lugar da sua sede, devendo a certidão do arquivamento ser publicada.
Na conformidade do regime legal acima delineado resulta claro, que as empresas se reúnem por intermédio do contrato de consórcio para, em relação de horizontalidade, sem constituírem pessoa jurídica distinta e, portanto, preservada a autonomia jurídica e patrimonial de cada uma, executarem determinado empreendimento, com vistas à satisfação do interesse individual de cada consorte.
A responsabilidade, sob o regime da mencionada Lei, é regulada pelo contrato, e somente haverá solidariedade se os contraentes assim deliberarem, pois cada um responde por suas obrigações, inexistindo presunção de solidariedade.
Sob o regime da Lei Federal nº 8.666/1993, a disciplina dos contratos de consórcio manteve-se a mesma, salvo em matéria de responsabilidade, que recebeu do legislador conformação diversa, com vistas a ampliar garantias em prol do interesse público, consoante se destaca a seguir:
Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:
I - comprovação do compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados;
II - indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de liderança, obrigatoriamente fixadas no Edital;
III - apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31, desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei;
IV - impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente;
V - responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato.
§1º. No consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança caberá, obrigatoriamente, à empresa brasileira, observado o disposto no inciso II deste artigo.
§2º. O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e o registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo.
A peculiaridade da responsabilidade solidária está presente, também, nas disposições da Lei nº 8.987/1995, que dispôs sob o regime da concessão e permissão para a prestação de serviço público, conforme se destaca abaixo:
Art. 19. Quando permitida, na licitação, a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:
I – comprovação de compromisso, público ou particular, de constituição de consórcio, subscrito pelas consorciadas;
II – indicação da empresa responsável pelo consórcio;
III – apresentação dos documentos exigidos nos incisos V e XIII do artigo anterior, por parte de cada consorciada;
IV – impedimento de participação de empresas consorciadas na mesma licitação, por intermédio de mais de um consórcio ou isoladamente.
§ 1º. O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo.
§ 2º. A empresa líder do consórcio é a responsável perante o poder concedente pelo cumprimento do contrato de concessão, sem prejuízo da responsabilidade solidária das demais consorciadas.
Mais recentemente, a Lei nº 12.402, de 2 de maio de 2011, mediante disposição especial, regulou a responsabilidade do consórcio em matéria de tributo, no caso deste realizar contratações em nome próprio, e estatuiu que, em tal hipótese, há responsabilidade solidária das empresas consorciadas (art. 1º, §§ 1º e 2º, observado, também, seus §§ 3º e 4º ).
Bem, a partir da resenha legislativa supra, com ênfase na Lei nº 6.404/1976, resulta exposto que o legislador optou por conceder aos contratantes ampla liberdade para, internamente, regularem seus interesses e recíprocas obrigações, respeitada, porém, a regulação peculiar dos contratos dos consórcios constituídos para a contratação com a Administração Pública, cujos ajustes, por estarem sujeitos aos influxos do Direito Público, seguem lógica diversa, em especial quanto à responsabilidade dos consorciados, o mesmo ocorrendo em sede tributária.
II – Os consórcios e suas diferentes modalidades
É comum distinguir-se duas modalidades de consórcio: o interno e o externo. Diz-se interno o consórcio quando o objeto deste visa somente a disciplina das relações de cooperação e esforços entre os consorciados. Será externo o consórcio que se relaciona com terceiros, com vistas a execução de determinado empreendimento. Fala-se, também, de consórcios operacionais e instrumentais, bem como homogêneos e heterogêneos.
Para o propósito deste artigo, é de interesse, a meu ver, ter em conta o consórcio do tipo externo. Um bom exemplo deste modelo de consórcio é o constituído para a execução de uma grande obra. Em tal modalidade de consórcio percebe-se, por exemplo, que este assume obrigações para com o dono da obra, materializadas no contrato de construção. Mas, uma vez que em geral a atividade desenvolvida para a execução do empreendimento não é exercida em comum e, sim, individualmente pelos consorciados, também percebe-se a presença de outro feixe de relações, por intermédio do qual aqueles regulam seus recíprocos direitos e obrigações em matéria de cooperação de esforços, o que é típico do contrato de consórcio.
A este modelo de consórcio amolda-se, a meu sentir, o constituído para a prestação de serviço público de transporte coletivo de passageiros.
Com efeito, em tal consórcio flagra-se, também, a existência de dois contratos, a saber: um, o de concessão, firmado com a Administração Pública; outro, o de consórcio, que vincula os consorciados, reciprocamente, a partir da disciplina de seus direitos e obrigações em matéria da cooperação de esforços para a execução da atividade que é objeto do contrato administrativo, a qual, do mesmo modo que na construção civil, é exercida individualmente, mediante utilização de recursos próprios de cada consorciado.
III – A responsabilidade dos consorciados nas relações com o poder público e com terceiros
No âmbito da Lei nº 6.404/1976, só haverá responsabilidade solidária dos consorciados se estes assim dispuserem no contrato de constituição do consórcio, pois não se presume a solidariedade, conforme foi salientado linhas atrás.
Legislação posterior, que se reputa especial em confronto com a Lei nº 6.404/1976, ao dispor sobre as relações do consórcio com o Poder Público estabeleceu, no entanto, que os consorciados respondem, solidariamente, pelo cumprimento do contrato de concessão (Leis nº 8.666/93 e 8.987/95). O mesmo fez a Lei nº 12.402/2011, em matéria de obrigação tributária.
Pode-se dizer, com isso, que a disciplina do tema, tal como contemplada na Lei nº 6.404/1976, foi derrogada pela legislação especial posterior?
Penso que não.
As Leis posteriores que regularam a matéria tiveram, e têm, por finalidade a disciplina de certas e determinadas relações, que dizem respeito ao cumprimento do contrato de concessão, pelo que cuidam de assuntos regidos pelo Direito Público, motivo por que foram concebidas tendo em vista a tutela do interesse da Administração Pública.
Realmente, o legislador federal, ao instituir a responsabilidade solidária dos consorciados pelo cumprimento do contrato de concessão teve em vista evitar que a Administração Pública tivesse dificuldade de cobrar, especialmente, as consequências financeiras derivadas do eventual descumprimento do referido contrato, pois o instituto lhe permite exigir seu crédito de qualquer consorciado, conforme melhor lhe convir sem ter que passar pela discussão do que cabe a cada um no desempenho das atividades objeto da concessão.
Observado tal contexto, verifica-se que as disposições contidas nas Leis especiais acima mencionadas, destinadas à disciplina de modalidade particular de relações, não derrogaram a regra contida na Lei nº 6.404/1976, segundo a qual os consorciados se obrigam na conformidade do que estabelecerem no contrato, sem presunção de solidariedade, pois cada qual responde com seu patrimônio pelo que se obrigou.
Efetivamente, embora a legislação especial tenha tratado da matéria, o fez no sentido de dispor que na relação com a Administração Pública, em matéria de cumprimento do contrato de concessão, a responsabilidade dos consorciados é solidária e não se rege pelas disposições privadas que estes, em sentido diverso, podem estabelecer em contrato, conforme autoriza a Lei nº 6.404/1976. O mesmo ocorreu em sede tributária, como antes se viu.
Em reforço desse tratamento diferente do tema, importa ressaltar que a atividade objeto do contrato de concessão, no caso da prestação do serviço de transporte coletivo de passageiros, não é fruto de desempenho comum em consórcio, mas, sim, resultado de exercício individual, mediante utilização de bens e recursos próprios e singulares de cada consorciado.
Neste cenário, no qual o consórcio, carece de personalidade jurídica e não dispõe de patrimônio próprio ou comum, nada mais lógico e natural do que os consorciados, individualmente, estabelecerem, eles mesmo, relações com terceiros, comerciais ou não, daí surgindo obrigações pelas quais cada um responde também singularmente.
A este propósito, calha mencionar a doutrina de EGBERTO LACERDA TEXEIERA e JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO, que a respeito prelecionam:
Pensamos que o consórcio não é então sujeito de direitos, não podendo, correlatamente, assumir obrigações enquanto tal. (…). São os consortes, portanto, que assumem obrigações e responsabilidades perante terceiros, cabendo-lhes, igualmente exercer os direitos decorrentes dos atos jurídicos (in Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, vol. 2, 1979, pág. 797).
Cumpre salientar que as receitas nos consórcios constituídos para a prestação do serviço público de transporte coletivo de passageiros são, em geral, recebidas, diretamente, por cada consorciado incumbido do exercício da atividade, motivo por que em tal situação não há partilha de resultados, muito menos de prejuízos, entre as empresas consorciadas.
IV – Em conclusão
Observado tal contexto, considero que o regime legal do consórcio cuida, distintamente, da responsabilidade das empresas consorciadas: ela é solidária, nas relações com a Administração Pública, em caso de descumprimento do contrato de concessão; rege-se pelo que dispuser o contrato de consórcio nas com terceiros, sem presunção de solidariedade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário