sábado, 22 de abril de 2017

O PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO – PARTE 2  


Por: Ilo Jorge de Souza Pereira
Especialista em Gestão Pública e Política.

OS MARCOS LEGAIS
1.    Constituição Federal de 1988
Foi Constituição Federal de 1988, que tratou pela primeira vez do direito urbanístico. O planejamento urbano, antes de se tornar uma norma jurídica, já era estudado pelos teóricos da Ciência da Administração e da Economia. Isso começou a mudar com a Constituição Federal de 1988, que marca o surgimento do Direito Urbanístico no Brasil e traz os contornos jurídicos do Plano Diretor Municipal.

Apesar de já existirem leis que dispunham sobre o planejamento urbano, o artigos 24 e 182, atribuíram ao Direito Urbanístico o caráter de disciplina jurídica.

A principal característica que a Constituição assinalou ao Direito Urbanístico foi o de servir à definição e à implementação da política de desenvolvimento urbano, previsto no Art.182, a qual tem por finalidade ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.
Também merece destaque a disposição de que o Plano Diretor Municipal é o instrumento competente para precisar a fluidez do conceito de função social da propriedade (Art. 182, §2º). Isso significa que o conteúdo da função social da propriedade que é preenchido pelo Plano Diretor. Sendo assim, a definição dessa função social passa necessariamente a depender de um planejamento urbano geral, e não de uma decisão pontual, isolada.
Importante também o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que o Plano Diretor é o instrumento legítimo para concretização da política de desenvolvimento e de expansão urbana, de modo que não é possível a criação de projetos urbanísticos de forma isolada e desvinculada do Plano Diretor.
Conforme o parágrafo primeiro do Art. 182, da Constituição Federal de 88, o Plano Diretor é obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes.
O ESTATUTO DA CIDADE
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), como lei federal e, portanto, norma geral de Direito Urbanístico, delineou o formato do Plano Diretor Municipal.
O Art. 39 prescreve que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, de acordo com as diretrizes do Art. 2°.
O Plano Diretor, nos termos do Art. 40 e seu § 1° do Estatuto da Cidade, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana e parte integrante do processo de planejamento, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas, tudo em prol de uma cidade sustentável. Isso porque, para concretização das diretrizes do plano diretor são necessários recursos públicos, os quais demandam prévia autorização orçamentária.
Outra previsão importante é que, assim como aqueles definidos na Constituição Federal (Art. 182, § 4º), os instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade - como a outorga onerosa de direito de construir (artigos 28 e 29), direito de preempção (Art. 25), entre outros - só podem ser aplicados concretamente caso haja planejamento urbano, instituído por meio do plano diretor. 
OBRIGATORIEDADE DE EDIÇÃO DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL
A Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade de edição de plano diretor às cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes (Art. 182, § 1º) e para os Municípios em que o poder público queira impor obrigações ao proprietário de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado (Art. 182, § 4º, da Constituição Federal).
Ainda, o Estatuto da Cidade também estabelece a sua obrigatoriedade para a utilização dos instrumentos urbanísticos de intervenção urbana por ele definidos, conforme visto acima. 
Sendo assim, mesmo que o Município não esteja abarcado nas hipóteses que obrigam a edição do Plano Diretor, caso queira lançar mão desses instrumentos, será necessário editá-lo.
Interessante notar que, ainda que tenha sido na Constituição Federal de 1988 que tenha se consagrado o Plano Diretor Municipal, já havia uma previsão para municípios com mais de cinquenta mil habitantes a criação de plano de parcelamento do solo urbano, previsto primeiramente na conhecida Lei Lehmann (Lei do Parcelamento do Solo Urbano - Lei nº 6.766/79), posteriormente absorvida pela disposição constitucional. 
Além disso, o Art. 41 do Estatuto da Cidade também traz outras hipóteses, expandindo as exigências estabelecidas pela Constituição Federal. Por isso, alguns autores chegam, inclusive, a contestar a constitucionalidade desse artigo.
O Art. 41 estabelece a obrigatoriedade para as cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes (inciso I e em consonância com a Constituição Federal), integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas (inciso II), onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do Art. 182 da Constituição Federal (inciso III), integrantes de áreas de especial interesse turístico (inciso IV), inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional (inciso V), incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos (inciso VI).
Merece destaque o Acórdão do Supremo Tribunal Federal que julgou inconstitucional a possibilidade do Estado de Goiás de fixar a obrigatoriedade de edição do Plano Diretor para cidades com mais de cinco mil habitantes, abaixo do estabelecido na Constituição Federal. Isso porque fere a autonomia dos Municípios com número de habitantes entre cinco e vinte mil.
Ademais, omitir-se na instituição do Plano Diretor é o mesmo que negar execução à lei federal, incorrendo o Prefeito Municipal em crime de responsabilidade, conforme estatui o Art. 1°, XIV, do Decreto-lei federal n° 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade de Prefeitos e Vereadores.
Importante destacar também que o Plano Diretor deverá seguir as normas do Estatuto da Cidade, pois ter um plano que não esteja de acordo com a lei é o mesmo que não ter qualquer instrumento para a execução da política de desenvolvimento e expansão urbana.
CARACTERÍSTICAS DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL
O Plano Diretor Municipal é uma lei municipal, devendo, portanto, ser aprovado pela Câmara Municipal, via de regra por dois terços dos vereadores, a exemplo da previsão do Art. 87 da Lei Orgânica de Belo Horizonte.
A Constituição Federal teve como intenção vincular o planejamento urbano a um  ato do Poder Legislativo do Município (Art. 182, § 1º). Dessa forma, não basta apenas uma decisão do Chefe do Poder Executivo para promoção do desenvolvimento urbano, mas uma ação em conjunto com o Poder Legislativo municipal, de modo que o processo inteiro de elaboração seja feito pelos dois poderes em conjunto com a população e associações representativas da comunidade por meio de audiências públicas e pela publicidade e transparência total dos atos e documentos de estudo.
Segundo o Professor Hely Lopes Meirelles, o Plano Diretor não pode ser divido em várias leis esparsas, devendo respeitar ao princípio da unicidade. Da mesma forma, não pode haver dois planos vigentes para o mesmo município, uma vez que deve sempre englobar todo o território do município.
De forma a não engessar demais as normas urbanísticas previstas no Plano Diretor e não causar um descompassamento prejudicial entre a realidade urbana e as políticas de desenvolvimento, há previsão no Estatuto da Cidade (Art. 40 § 3º) para que este seja revisado, pelo menos, a cada dez anos, sendo comum, ao mesmo tempo, revisões periódicas pontuais. Dessa forma, garante-se que o Plano Diretor acompanhará as alterações sociais, econômicas e tecnológicas, bem como o crescimento da cidade e as novas necessidades decorrentes das alterações do perfil de cada município. Tratando-se de lei municipal, suas posteriores alterações também deverão vir na forma de lei municipal, observado o competente processo legislativo.
É importante destacar que as formas de parcelamento, uso ou ocupação do solo não necessariamente devam ser inteiramente disciplinadas pela Lei do Plano Diretor, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral. Há determinados modos de aproveitamento do solo urbano que, pelas suas singularidades, podem, legitimamente, receber disciplina jurídica autônoma pelos Municípios, de acordo com a competência atribuída pela Constituição Federal.
NECESSIDADE DE LICITAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE PROJETOS TÉCNICOS
Há certamente um caráter político-jurídico na elaboração do Plano Diretor, mas também há necessidade de contar com conhecimentos técnicos que requerem profissionais de formação específica (arquitetos, urbanistas, engenheiros etc). Os projetos que estes venham a desenvolver no contexto de elaboração do plano, por necessitarem de contratação formal, devem passar pelo processo de licitação da Lei nº 8.666/93, sem prejuízo das eventuais exceções previstas. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário