Por:
Ilo Jorge de Souza Pereira
Especialista
em Gestão Pública e Política.
OS MARCOS LEGAIS
1. Constituição Federal de 1988
Foi Constituição
Federal de 1988, que tratou pela primeira vez do direito urbanístico. O
planejamento urbano, antes de se tornar uma norma jurídica, já era estudado
pelos teóricos da Ciência da Administração e da Economia. Isso começou a mudar
com a Constituição
Federal de 1988, que marca o surgimento do Direito
Urbanístico no Brasil e traz os contornos jurídicos do Plano Diretor Municipal.
Apesar de já
existirem leis que dispunham sobre o planejamento urbano, o artigos 24 e 182,
atribuíram ao Direito
Urbanístico o caráter de disciplina jurídica.
A principal característica que a Constituição assinalou ao Direito
Urbanístico foi o de servir à definição e à implementação da política de
desenvolvimento urbano, previsto no Art.182, a qual tem por finalidade ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de
seus habitantes.
Também merece destaque a disposição de que o Plano Diretor Municipal é o
instrumento competente para precisar a fluidez do conceito de função social da
propriedade (Art. 182, §2º). Isso significa que o conteúdo da função social da
propriedade que é preenchido pelo Plano Diretor. Sendo assim, a definição dessa
função social passa necessariamente a depender de um planejamento urbano geral,
e não de uma decisão pontual, isolada.
Importante também o entendimento do Supremo
Tribunal Federal de que o Plano Diretor é o instrumento legítimo para concretização da
política de desenvolvimento e de expansão urbana, de modo que não é possível a
criação de projetos urbanísticos de forma isolada e desvinculada do Plano
Diretor.
Conforme o parágrafo primeiro do Art. 182, da Constituição Federal de 88,
o Plano Diretor é obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes.
O ESTATUTO DA CIDADE
O Estatuto
da Cidade (Lei nº 10.257/2001), como lei federal e, portanto, norma geral de Direito
Urbanístico, delineou o formato do Plano Diretor Municipal.
O Art. 39 prescreve que a propriedade urbana cumpre sua função
social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressas no Plano Diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos
cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das
atividades econômicas, de acordo com as diretrizes do Art. 2°.
O Plano Diretor, nos termos do Art. 40 e seu § 1° do Estatuto
da Cidade, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana e parte integrante do processo de planejamento, devendo o plano
plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as
diretrizes e as prioridades nele contidas, tudo em prol de uma cidade
sustentável. Isso porque, para concretização das diretrizes do plano diretor
são necessários recursos públicos, os quais demandam prévia autorização
orçamentária.
Outra previsão importante é que, assim como aqueles definidos na
Constituição Federal (Art. 182, § 4º), os instrumentos urbanísticos previstos no
Estatuto
da Cidade - como a outorga onerosa de direito de construir (artigos 28 e 29), direito de
preempção (Art. 25), entre outros - só podem ser aplicados concretamente caso
haja planejamento urbano, instituído por meio do plano diretor.
OBRIGATORIEDADE DE EDIÇÃO DO
PLANO DIRETOR MUNICIPAL
A Constituição
Federal estabelece a obrigatoriedade de edição de plano diretor às cidades com
mais de 20.000 (vinte mil) habitantes (Art. 182, § 1º) e para os Municípios em
que o poder público queira impor obrigações ao proprietário de solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado (Art. 182, § 4º, da Constituição
Federal).
Ainda, o Estatuto
da Cidade também estabelece a sua obrigatoriedade para a utilização dos
instrumentos urbanísticos de intervenção urbana por ele definidos, conforme
visto acima.
Sendo assim, mesmo que o Município não esteja abarcado nas hipóteses que
obrigam a edição do Plano Diretor, caso queira lançar mão desses instrumentos,
será necessário editá-lo.
Interessante notar que, ainda que tenha sido na Constituição Federal de
1988 que tenha se consagrado o Plano Diretor Municipal, já havia uma previsão
para municípios com mais de cinquenta mil habitantes a criação de plano de
parcelamento do solo urbano, previsto primeiramente na conhecida Lei Lehmann (Lei do Parcelamento do Solo Urbano - Lei nº 6.766/79), posteriormente absorvida
pela disposição constitucional.
Além disso, o Art. 41 do Estatuto
da Cidade também traz outras hipóteses, expandindo as exigências estabelecidas
pela Constituição Federal. Por isso, alguns autores chegam, inclusive, a
contestar a constitucionalidade desse artigo.
O Art. 41 estabelece a obrigatoriedade para as cidades com mais de
20.000 (vinte mil) habitantes (inciso I e em consonância com a Constituição
Federal), integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas (inciso
II), onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos
no § 4º do Art. 182 da Constituição Federal (inciso III), integrantes de áreas
de especial interesse turístico (inciso IV), inseridas na área de influência de
empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito
regional ou nacional (inciso V), incluídas no cadastro nacional de Municípios
com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto,
inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos (inciso
VI).
Merece destaque o Acórdão do Supremo
Tribunal Federal que julgou inconstitucional a possibilidade do Estado de Goiás de fixar
a obrigatoriedade de edição do Plano Diretor para cidades com mais de cinco mil
habitantes, abaixo do estabelecido na Constituição Federal. Isso porque fere a
autonomia dos Municípios com número de habitantes entre cinco e vinte mil.
Ademais, omitir-se na instituição do Plano Diretor é o mesmo que negar
execução à lei federal, incorrendo o Prefeito Municipal em crime
de responsabilidade, conforme estatui o Art. 1°, XIV, do Decreto-lei federal n° 201/67, que dispõe sobre a
responsabilidade de Prefeitos e Vereadores.
Importante destacar também que o Plano Diretor deverá seguir as normas
do Estatuto da Cidade, pois ter um plano que não esteja de acordo com a lei é o
mesmo que não ter qualquer instrumento para a execução da política de
desenvolvimento e expansão urbana.
CARACTERÍSTICAS DO PLANO
DIRETOR MUNICIPAL
O Plano Diretor Municipal é uma lei municipal, devendo, portanto, ser
aprovado pela Câmara Municipal, via de regra por dois terços dos vereadores, a
exemplo da previsão do Art. 87 da Lei Orgânica de Belo Horizonte.
A Constituição Federal teve como intenção vincular o planejamento urbano
a um ato do Poder
Legislativo do Município (Art. 182, § 1º). Dessa forma, não basta apenas uma decisão
do Chefe do Poder
Executivo para promoção do desenvolvimento urbano, mas uma ação em conjunto com o
Poder Legislativo municipal, de modo que o processo inteiro de elaboração seja
feito pelos dois poderes em conjunto com a população e associações
representativas da comunidade por meio de audiências públicas e pela
publicidade e transparência total dos atos e documentos de estudo.
Segundo o Professor Hely
Lopes Meirelles, o Plano Diretor não pode ser divido em várias leis esparsas, devendo
respeitar ao princípio da unicidade. Da mesma forma, não pode haver dois planos
vigentes para o mesmo município, uma vez que deve sempre englobar todo o
território do município.
De forma a não engessar demais as normas urbanísticas previstas no Plano
Diretor e não causar um descompassamento prejudicial entre a realidade urbana e
as políticas de desenvolvimento, há previsão no Estatuto
da Cidade (Art. 40 § 3º) para que este seja revisado, pelo menos, a cada dez anos,
sendo comum, ao mesmo tempo, revisões periódicas pontuais. Dessa forma,
garante-se que o Plano Diretor acompanhará as alterações sociais, econômicas e
tecnológicas, bem como o crescimento da cidade e as novas necessidades
decorrentes das alterações do perfil de cada município. Tratando-se de lei
municipal, suas posteriores alterações também deverão vir na forma de lei
municipal, observado o competente processo legislativo.
É importante destacar que as formas de parcelamento, uso ou ocupação do
solo não necessariamente devam ser inteiramente disciplinadas pela Lei do Plano
Diretor, de acordo com o entendimento do Supremo
Tribunal Federal, em sede de repercussão
geral. Há determinados modos de aproveitamento do solo urbano que, pelas suas
singularidades, podem, legitimamente, receber disciplina jurídica autônoma
pelos Municípios, de acordo com a competência atribuída pela Constituição
Federal.
NECESSIDADE DE LICITAÇÃO PARA
CONTRATAÇÃO DE PROJETOS TÉCNICOS
Há certamente um caráter político-jurídico na elaboração do Plano
Diretor, mas também há necessidade de contar com conhecimentos técnicos que
requerem profissionais de formação específica (arquitetos, urbanistas,
engenheiros etc). Os projetos que estes venham a desenvolver no contexto de
elaboração do plano, por necessitarem de contratação formal, devem passar pelo
processo de licitação da Lei nº 8.666/93, sem prejuízo das eventuais exceções
previstas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário