Por: Ilo Jorge de Souza pereira
Especialista em Gestão Pública e Política
CONSIDERAÇÕES
PRELIMINARES
Embora
não apresentando forma ideal, a Lei Complementar nº 101, de 04 de
maio de 2000, publicada no DOU de 05/5/2000, vigente na data de sua
publicação sem nenhuma atenção ao resguardo de um período de
vacatio legis, trouxe a tão aguardada Lei de Responsabilidade
Fiscal, provocando, a um só tempo, uma diretriz para as finanças
públicas do País e uma radical mudança de comportamento na
Administração brasileira.
O
seu campo de ação é bastante largo, objetivando o estabelecimento
de normas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal,
consagrando princípios constitucionais e promovendo o equilíbrio
das finanças do Estado.
A
nova lei introduz conceitos claros, consolida toda a legislação
esparsa e estabelece limites e diretrizes de observância obrigatória
no tocante ao Planejamento em reforço ao equilíbrio
Receita/Despesa, preservação do patrimônio, limite de gastos com
pessoal, fixação de percentuais aos demais Poderes, inclusive aos
Tribunais de Contas e ao Ministério Público, bem como a medidas
para que todos possam manter o resguardo desses percentuais, em
circunstanciais instantes de sua exacerbação.
Modificação
de grande alcance é a questão da punição às transgressões
cometidas à LRF, divididas em sanções aos próprios entes públicos
e, em particular aos seus dirigentes.
Neste
último caso o projeto aprovado no Congresso e sancionado pelo
Presidente da República, com alguns vetos (Lei nº 10.028, de 19 de
outubro de 2.000, dinamiza procedimentos, tirando aquela impressão
de constante impunidade.
Ademais
de tudo, torna transparente a gestão pública nas três esferas de
governo, mediante disponibilização, via internet, da situação de
todas elas, sob o comando do Governo Federal e, quadrimestralmente,
através de audiências públicas.
Desde
a instituição do Estado Gerencial, responsável, criativo e
eficiente, como pretendeu a Emenda Constitucional nº 19, de 1998,
cobrava-se a edição de uma Lei que instrumentalizasse todos os
princípios constitucionais inaugurados, o que agora se concretiza
com a LRF, tendo-se a lamentar, apenas, a guarida dada a instrumentos
e metodologia alienígenas, que não guardam a mesma simetria com a
nossa cultura e os nossos costumes, parecendo uma imposição e, por
isso, vem sofrendo alguma reação.
O
tempo, contudo, certamente fará as devidas reparações para que não
haja o perigo de uma viagem de volta às anteriores estruturas
precárias, cujas diretrizes davam azo ao permanente desequilíbrio
do Estado.
Reclama-se,
por último, o açodamento de sua vigência, como antes foi ventilado
e da falta de algumas regras de transição, sem o que, vem se
tornando complexa a aplicação da nova Lei, apesar dos esforços de
Estados e Municípios através de Seminários e Encontros, o que
ainda não foi suficiente para eliminar todas as dúvidas.
Nesse
compasso de espera da sedimentação da Lei, adiantamos, a partir
destes estudos iniciais, algumas considerações, ainda
preliminares, em torno dela, aguardando a crítica dos leitores para
uma posição posterior, se possível, definitiva.
OBJETIVOS
•
estabelece
normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na
gestão fiscal e dá outras providências.
Art.
1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas
voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no
Capítulo II do Título VI da Constituição.
§
1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação
planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem
desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas,
mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e
despesas e a obediência a limites e condições no que tange a
renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da
seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária,
operações de crédito, inclusive por antecipação de receita,
concessão de garantia e inscrição em restos a pagar.
•
consagra
os princípios constitucionais que regem as finanças públicas e a
conduta das autoridades encarregadas de geri-las;
•
introduz
conceitos novos como os de responsabilidade e de transparência;
•
consolida
normas e regras já existentes – dispositivos constitucionais,
leis, resoluções do Senado (a exemplo da Lei Camata);
•
estabelece
limites a serem observados para as principais variáveis fiscais e
cria mecanismos que oferecem as condições para o cumprimento dos
objetivos e metas, bem como formas de correção de eventuais
desvios;
•
estabelece
penalidades para as administrações fiscais, permitindo ainda que
sejam imputadas responsabilidades pessoais a seus administradores,
quando forem desobedecidas as regras e normas previstas, conforme a
Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000, publicada no Diário
Oficial da União do dia 20/10/2000.
PRINCÍPIOS
•
busca
do equilíbrio entre os gastos com ações governamentais, de toda
natureza, e os recursos que a
sociedade
coloca à disposição dos governos, na forma de pagamento de
tributos, para atendê-las;
•
gestão
responsável dos recursos públicos, com destaque para a manutenção
das dívidas e dos déficits em níveis prudentes;
•
prevenção
de desequilíbrios fiscais estruturais e limitação de gastos
públicos continuados, compensando-se os efeitos financeiros
decorrentes de aumento duradouro do gasto;
•
transparência
e amplo acesso da sociedade aos resultados fiscais obtidos com o uso
dos recursos públicos, através de publicações, audiências
públicas e dos meios eletrônicos.
ABRANGÊNCIA
De
forma bastante didática a nova Lei traz conceitos de real
importância para a caracterização das pessoas
jurídicas
nela alcançadas:
Art.
1º.......................................
§
2º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
§
3º Nas referências:
I
- à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
estão compreendidos:
a)
o Poder Executivo, o Poder Legislativo, neste abrangidos os Tribunais
de Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público;
b)
as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias,
fundações e empresas estatais dependentes;
II
- a Estados entende-se considerado o Distrito Federal;
III
- a Tribunais de Contas estão incluídos: Tribunal de Contas da
União, Tribunal de Contas do Estado e, quando houver, Tribunal de
Contas dos Municípios e Tribunal de Contas do Município.
Art.
2º Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:
I
- ente da Federação: a União, cada Estado, o Distrito Federal e
cada Município;
II
- empresa controlada: sociedade cuja maioria do capital social com
direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da
Federação;
III
- empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente
controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com
pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último
caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária;
Neste
particular aspecto é fundamental identificar a abrangência das
referências aos entes públicos – União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, em que, cada um deles, recepciona na expressão
ente, a seguinte composição, como couber:
c)
os Poderes Legislativo, incluído o Tribunal de Contas, Judiciário e
o Ministério Público;
d)
as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias,
fundações e empresas estatais dependentes, isto é, a empresa
controlada que recebe do ente controlador recursos financeiros para
pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de
capital, com as exclusões da parte final do inciso III, do art. 2º
da lei em comento.
Assim,
as sociedades de economia mista não compõem a expressão ente, uma
vez que está contida no conceito de empresa controlada, em sentido
estrito, por ter a maioria do capital social com direito a voto,
direta ou indiretamente, pertencente a ente da Federação, mas
regida pelas regras do direito privado.
A
importância desta explicação reside nos efeitos que sobre elas
incidem as exigências da LRF, notadamente quanto as transferências
voluntárias a outro ente da Federação, que somente pode merecer
aplicação aos Municípios, por exemplo, diretamente ou por suas
empresas dependentes), os quais comprovarão as situações previstas
na LDO e mais as do § 1º do art. 25.
Já
quanto às empresas apenas controladas (como as de economia mista),
as transferências de recursos voluntários estão definidas no art.
26, que possui, entretanto a exigência comum com as empresas
dependentes, isto é, autorização por lei específica, consoante os
termos combinados entre o caput e seu § 1º.
Uma
observação necessária se impõe, no sentido de que a LRF não pode
colidir com o “Princípio da Federação”, daí porque algumas de
suas disposições devem ter leitura com ressalvas.
e)
Da Receita Corrente Líquida (RCL);
Este
é o parâmetro mais importante da LRF para calcular os limites das
despesas e repartição com os Poderes e o Ministério Público,
tendo merecido indicação em vários dispositivos, por exemplo, os
artigos 19 e 20, sendo o de maior importância aquele a seguir
transcrito:
Art.2º................................................................................
IV
- receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de
contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de
serviços, transferências correntes e outras receitas também
correntes, deduzidos:
a)
na União, os valores transferidos aos Estados e Municípios por
determinação constitucional ou legal, e as contribuições
mencionadas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195, e no
art. 239 da Constituição;
b)
nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação
constitucional;
c)
na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos
servidores para o custeio do seu sistema de previdência e
assistência social e as receitas provenientes da compensação
financeira citada no § 9°do
art. 201 da Constituição.
§
1o Serão computados no cálculo da receita corrente
líquida os valores pagos e recebidos em decorrência da Lei
Complementar no 87, de 13 de setembro de 1996, e do fundo previsto
pelo art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.
§
2o Não serão considerados na receita corrente líquida
do Distrito Federal e dos Estados do Amapá e de Roraima os recursos
recebidos da União para atendimento das despesas de que trata o
inciso V do § 1o do art. 19.
§
3o A receita corrente líquida será apurada somando-se as
receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores,
excluídas as duplicidades.
CONCEITO
Partindo
da concepção clássica de receita pública, segundo ALIOMAR
BALEEIRO, temos como tal “a entrada que, integrando-se no
patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou
correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento
novo e positivo” .
Por
força da LRF é indispensável, agora, uma conceituação mais
específica para caracterizar a Receita Corrente Líquida de que
cuida o transcrito inciso IV do art. 2º, para o que temos de alinhar
o somatório dos seus componentes:
f)
da receita tributária – oriunda da cobrança de impostos, taxas e
contribuição de melhoria, na conformidade do art. 11 da Lei
4.320/64 e seus
parágrafos;
g)
da receita de contribuições – a resultante da cobrança de
contribuições sociais e econômicas;
h)
da receita patrimonial – decorrente do resultado financeiro obtido
do patrimônio público, isto é, de
bens
móveis e imóveis ou advinda de participação societária ou de
superávits apurados das operações de alienações de bens
patrimoniais;
i)
da receita industrial – decorrente de atividades industriais
exploradas pelo ente público;
j)
das receitas agropecuárias – provenientes das atividades ou
explorações agropecuárias (produção vegetal e animal e
derivados, beneficiamento ou transformações desses produtos, em
instalações nos próprios estabelecimentos);
k)
da receita de serviços – aquela que provém da prestação de
serviços de comércio, transporte, serviços hospitalares e
congêneres;
l)
das transferências correntes – as recebidas de outras pessoas de
direito público, inclusive as de origem constitucional [CF, artigos,
157 ao 159 e 162] ou legal [convênios e semelhantes] ou advindas de
pessoas privadas, quando destinadas a atender a despesas de
manutenção e funcionamento, nas condições estabelecidas pelos
repassadores ou pela própria administração da entidade e que se
destinam a atender a despesas correntes;
m)
outras receitas correntes – são as provenientes de multas, juros
de mora, indenizações e restituições, da cobrança da dívida
ativa e outras;
n)
receitas da Lei Complementar nº 87 (Lei Kandir) – conforme o §
1º, serão computados os valores pagos ou recebidos em decorrência
dessa Lei;
o)
valores recebidos e pagos do FUNDEF [acrescer apenas a eventual
diferença positiva entre as parcelas recebidas do Fundo e as
contribuições para a sua formação, ou seja, o resultado líquido
positivo].
A
situação do § 2º será analisada na ocasião dos comentários ao
art. 19. Uma vez composto o somatório dessas parcelas, para se
encontrar a RCL serão feitas as seguintes deduções:
I
– no caso da União:
p)
dos valores transferidos aos Estados e Municípios, por determinação
constitucional ou legal, como os Fundos de Participação e os
recursos do SUS;
q)
as contribuições mencionadas na CF – art. 195, inciso I, a = [do
empregador, da empresa ou equiparada incidentes sobre a folha de
salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer
título, à pessoa física que lhe preste serviço, sem vínculo];
inciso II = [do trabalhador e demais segurados da previdência
social, não incidindo sobre aposentadoria e pensão concedida na
forma do art. 201 da CF, isto é, da organização da previdência
social sob
a forma de regime geral]; art. 239 da CF = [contribuição para o PIS
e PASEP].
II
– no caso dos Estados:
•
as
parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional;
III
– no caso da União, Estados e Municípios:
r)
a contribuição dos servidores públicos para custeio de seus
respectivos sistemas de previdência social;
s)
as receitas da compensação financeira entre os diversos regimes de
previdência dos referidos entes públicos e o regime geral de
previdência social administrado pelo INSS;
IV
– o cancelamento de Restos a Pagar [considerados receita para fins
de compatibilização dos sistemas contábil, orçamentário e
financeiro];
V
– as duplicidades [dupla contabilização de um mesmo recurso
ingressado nos cofres públicos, tomados como um todo homogêneo, sem
distinguir o ente], como por exemplo, as receitas dos Convênios
celebrados com o mesmo ente, em que já sendo computada a receita
pelo ente central, não é possível computá-la novamente como
receita repassada ou transferida no órgão beneficiado, que faz
parte da estrutura do ente repassador.
Sobre
a complexidade da apuração dessas duplicidades, colhemos da
doutrina, que não se pode computar, para efeito de se encontrar a
RCL, as receitas das transferências intragovernamentais, a
contribuição patronal para a previdência do respectivo ente, os
valores referentes às relações comerciais intragovernamentais
(art. 50, § 1º LRF), a receita de convênios correntes, ao mesmo
tempo, no ente que repassa e no que recebe. [Carlos Maurício Cabral
Figueiredo e outros, Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nossa Livraria, 2001].
FORMA
DE APURAÇÃO
O
cálculo pode ser realizado de forma direta, isto é, colocando-se já
o valor líquido, ou por operações sucessivas de somatórios,
exclusões legais e das duplicidades.