quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

No Serviço Público Licitar é Necessário - VIII


Com a edição, em maio de 2000, da Lei Complementar nº 101/00 – intitulada de Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – o Brasil passou a experimentar um novo regime de administração dos recursos públicos, denominado de Gestão Fiscal Responsável, que está assentado em três pilares: o planejamento, a transparência e o controle das contas públicas (PIRES, 2002; SLOMSKI, 2003; ARAÚJO E ARRUDA, 2004).

Todos nós, envolvidos com a Administração Pública (mesmo uma outra parcela da sociedade que acompanha os passos dos legisladores) sabemos que o grande objetivo da LRF é chegar ao equilíbrio das contas públicas por meio do planejamento dos recursos públicas, enfim, de uma “boa” gestão pública, entretanto, desde o século XIX, Taylor já apregoava o planejamento como etapa primeira e necessária para uma boa administração, portanto, não deveria ser necessário criar uma lei com tais objetivos.
Prescrever também, por via de lei, a transparência nas contas públicas é algo que deveria ser desnecessário. O dever de prestar contas de forma transparente é da própria natureza do ato de administrar recursos alheios. Por essa, e por outras razões, pode-se dizer que a LRF trata-se do óbvio. O terceiro pilar é o controle das contas públicas, que deve ser efetuado em várias instâncias: pelo Tribunal de Contas, Ministério Público, Poder Legislativo, Controle Interno e pela sociedade organizada. Enfim, por todos os cidadãos e de forma contínua.

Não obstante, o tema transparência fiscal só ganhou importância no País com a publicação na LRF (FURTADO, 2005). A Lei dedica a Seção I do Capítulo IX ao assunto (arts. 48 e 49) e já no art. 1º, § 1º, preceitua que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio nas contas públicas.
Os instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais deve ser dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público (Internet), estão elencados no art. 48: o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias, a lei orçamentária anual, as prestações de contas e o respectivo parecer prévio, o relatório resumido da execução orçamentária e o relatório de gestão fiscal.

O Plano Plurianual (PPA), aprovado formalmente através de lei editada no primeiro ano do mandato do Chefe do Executivo, consubstancia o planejamento de longo prazo elaborado pela administração pública para os investimentos a serem realizados nos próximos quatro anos (FURTADO, 2005). A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que tramita na Casa Legislativa no primeiro semestre de cada ano, tem a função de orientar a elaboração da lei orçamentária anual, dispondo sobre as metas e prioridades da administração pública e elegendo os investimentos que serão executados no exercício financeiro subsequente.
A Lei Orçamentária Anual (LOA), que deve guardar conformidade com o PPA e com a LDO, tramita no Poder Legislativo no segundo semestre de cada ano, estima a receita e fixa a despesa para o ano seguinte. É o projeto orçamentário do Poder Público a ser executado no exercício financeiro vindouro. O relatório resumido da execução orçamentária, que por força da Constituição Federal, art. 165, § 3º, deve ser publicado até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, representa um levantamento parcial do que já foi executado do projeto orçamentário para o ano em curso, ou seja, espelha as receitas arrecadadas e despesas incorridas até o bimestre a que se refere.

O relatório de gestão fiscal, que deve ser publicado quadrimestralmente pelos titulares dos Poderes e órgãos públicos, é criação da LRF e serve de instrumento de controle dos limites de gastos, impostos pela mencionada lei, no que tange à despesa com pessoal, endividamento público e concessão de garantias (FURTADO, 2005).
Um marco importante da LRF foi a institucionalização do chamado orçamento participtivo. O parágrafo único do art. 48 dispõe que a transparência será assegurada mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão do PPA, da LDO e da LOA.

A Lei quer que tal experiência, praticada apenas em alguns municípios brasileiros, em face da ideologia do partido político à frente do Poder Executivo, se estenda a todos. Se a participação popular na elaboração dos projetos orçamentários está albergada na nova ordem jurídica, a LRF vai além quando determina que até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas de receita, despesa e montante da dívida pública de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão de orçamento da Casa Legislativa (art. 9º, § 4º).
É a possibilidade do acompanhamento direto pelo povo da execução do orçamento (BANDEIRA DE MELLO, 1999; MEIRELLES,1999; PIRES, 2002; FURTADO, 2005).

Um pouco da Lei Federal nº 11.079/04
Em vários países vem se expandindo a chamada parceria público-privada (PPP). Na PPP, serviços e atividades que incumbem ao poder público, demandando elevado nível de investimento, são realizados por particulares, havendo repartição de encargos financeiros e riscos entre parceiro público e parceiro privado, mediante compromissos recíprocos por longo prazo (OLIVEIRA, 2008). 

Sua criação resultou da necessidade do poder público atrair novamente a iniciativa privada para a execução de obras e serviços de grande porte, em vista da falta de verbas públicas. Verificou-se que apenas a cobrança de tarifas prevista na lei nº 8.987/95, não era mais atrativo suficiente para que a iniciativa privada se interessasse em contratar com a Administração. 
No Brasil, a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, instituiu normas gerais de licitação e contratação de parceria público-privada, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivos fundos especiais, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades controladas direta ou indiretamente.

Vale lembrar:
- A parceria público-privada regula-se pela lei nº 11.079/2004.
- A concessão comum continua regulada pela lei nº 8.987/95.   
A parceria público-privada é uma forma especial de concessão de serviços públicos.
Na concessão comum, a Administração direta ou indireta delega serviços a entidades públicas ou privadas, por conta e riscos destas, com remuneração paga, em regra, pelo usuário.
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem aplicar nas parcerias mais de 1% da receita líquida corrente (art.28). 
O contrato deve ser precedido de licitação, na modalidade de concorrência (arts. 10 e 12), bem como de consulta pública (art. 10, VI). 
No caso da União há regras especiais, inclusive com a instituição de um órgão gestor (art.14) e a criação de um Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (art.16). 
Antes da celebração do contrato é constituída uma sociedade de propósito específico, para implantar e gerir o objeto da parceria (art.9º) (OLIVEIRA, 2008).
Requisitos 
A lei 11.079/2004, estabelece alguns requisitos para a celebração de parcerias púbico privadas entre os quais destacam-se os seguintes: 
- valor mínimo de vinte milhões de reais, e; 
- prazo mínimo de 5 anos e máximo de 35. 

Espécies de PPP’s 
A parceria público-privada é subdividida em duas modalidades, patrocinada e administrativa. A primeira, conforme MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p. 308) é “o contrato administrativo de concessão que tem por objeto a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público”.
Ao passo que a concessão administrativa é “a prestação de serviço de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público” (DI PIETRO, 2006, p. 308). 
Patrocinada 
Na hipótese de ser patrocinada, o parceiro privado aufere uma tarifa paga pelos usuários, mais uma contraprestação pecuniário do parceiro público. 
O poder público delega um serviço para a empresa privada que o presta mediante pagamento de tarifa do usuário e subsídio econômico do poder público. Obs.: portanto, a empresa privada recebe de ambos os lados: usuário e poder público (OLIVEIRA, 2008).
A modalidade patrocinada foi definida no § 1º do artigo 2º da Lei nº 11.079/04, da seguinte forma: é concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a lei nº 8.987/95, quando envolver adicionalmente a tarifa cobrada dos usuários e contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.  Assim, o parceiro privado além de continuar com a possibilidade de cobrança de tarifa dos usuários será remunerado pelo parceiro público (OLIVEIRA, 2008). 
Em outras palavras, o diferencial da modalidade patrocinada encontra-se na possibilidade do parceiro privado ser remunerado pela administração, além de continuar a cobrar tarifa dos usuários. 
A concessão patrocinada depende de autorização legislativa nos casos em que a Administração tiver que pagar mais de 70% da remuneração do parceiro privado (Lei nº 11.079, art.10, §3º). 
Convêm citar o ilustre doutrinador CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2005) a respeito do regime jurídico desta: 
Curiosamente, embora a concessão de serviços públicos clássica seja adotada para poupar investimentos públicos ou para acudir à carência deles, e esta última razão sempre foi a habitualmente apontada, entre nós, como justificativa para a introdução das PPPs, a lei pressupõe que na modalidade patrocinada a contraprestação pecuniária a ser desembolsado pelo Poder Público poderá corresponder a até 70% da remuneração do contratado ou mais que isto, se houver autorização legislativa (art. 10, §3º).
Logo, é possível, de direito, que alcance qualquer porcentual, desde que inferior a 100%. Seguramente, este não é um modo de acudir à carência de recursos públicos; antes, pressupõe que existam disponíveis e implica permissão legal para que sejam despendidos: exatamente a antítese das justificativas apontadas para exaltar este novo instituto.
Administrativa 
Nesta hipótese, a Administração figura como usuária direta e indireta dos serviços. As Concessões Administrativas configuram-se em contratos de prestação de serviços, dos quais a Administração Pública é usuária, podendo ser direta ou indiretamente, como bem conceitua MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2006, p. 308): “a prestação de serviço de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público”.
O poder público delega um serviço público e se torna automaticamente usuário do serviço delegado. Prazo: de 5 a 35 anos. Em tais contratos, a cobrança tarifária aos usuários é inexequível, seja por motivo econômico ou social, ou ainda, por ser a Administração a única usuária. Assim, é oportuno transcrever as lições do ilustre HELY LOPES MEIRELLES (2006, p. 401): 
Esta concessão administrativa é um contrato de prestação de serviços de que a Administração é a usuária direta ou indireta, conforme a define a lei. Daí por que a remuneração é paga integralmente pela própria Administração. Destina-se, ao que parece, a permitir a inserção do setor privado em serviços até agora pouco atrativos, como a construção e administração de presídios, hospitais, escolas e outros setores.
A modalidade administrativa foi definida no parágrafo 2º do artigo 2º da Lei nº 11.079/04, da seguinte forma: é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (OLIVEIRA, 2008).
Cabe ressaltar o entendimento da ilustre doutrinadora ODETE MEDAUAR (2008, p. 329) sobre a PPP:
Parceria público-privada vem conceituada como o contrato de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obra pública de que trata a Lei nº 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao privado. Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. 
Como se vê, é bastante nebulosa a caracterização da parceria na modalidade administrativa. Pode-se dizer que na parceria administrativa o particular se remunera exclusivamente por “tarifas” de um serviço público do qual a Administração é a usuária direta ou indireta (OLIVEIRA, 2008). 
CARLOS ARI SUNDFIELD (2005, p. 16) assevera que, a Administração Pública pode transferir a prestação de serviço público a terceiro, sob o mesmo regime jurídico da concessão, sem que sua remuneração guarde relação com o resultado da exploração do serviço. 
Vantagens e Desvantagens
Haverá maior facilidade para o parceiro público progredir com o projeto, pois muitos empreendimentos em que combinados recursos públicos e privados se tornam financeiramente viáveis e pacificamente aceitáveis (JUSTEN FILHO, 2006, p. 553). 
Haverá uma maior redução dos riscos das propriedades, desenvolvimento e operação. 
Haverá uma maior geração de receitas não financeiras ou financiamento privados para empreendimentos públicos. Pode gerar receitas de áreas públicas subutilizadas (JUSTEN FILHO, 2006, p. 553). 
Gera a otimização de financiamento privado e redução dos investimentos públicos. Enseja a redução da necessidade de endividamento público, preservando a capacidade de endividamento para setores mais carentes (SUNDFELD, 2005, p. 22).   
A utilização da perícia e criatividade do parceiro privado para financiar, desenhar, desenvolver e gerenciar o empreendimento enseja a existência de compromissos de longo prazo de investidores e operadores através do financiamento privado (JUSTEN FILHO, 2006, p. 553). 
Ainda há a geração de receitas financeiras de um patrimônio ou projeto público que não aconteceria se não fosse a PPP, bem como forçar projetos públicos a serem dirigidos por forças de mercado e serem financeiramente viáveis de construir (SUNDFELD, 2005, p. 22). 
A maioria dos projetos de PPP tem excelente repercussão e estão associados ao desenvolvimento socioeconômico regional, podem fortalecer a imagem de um empreendedor, se o projeto for bem sucedido. Patrimônios públicos que nunca estiveram disponíveis no mercado ficariam pela primeira vez (JUSTEN FILHO, 2006, p. 553). 
Muitas parcerias incluem o pagamento a longo prazo pelo terreno utilizado, o que elimina o custo inicial de aquisição do terreno. (MEDAUAR, 2008, p.330) 
Em alguns projetos, o Poder público divide os custos do investimento, reduzindo os gastos do parceiro privado. 
Bons parceiros desenvolvem consenso entre os participantes do governo e da sociedade para o projeto, o que facilita a ação do parceiro. Parcerias entre esferas públicas também reduzem riscos de investimentos. 
Dentre as desvantagens temos:
Uma das obrigações para o agente público, quando fecha uma PPP, é o controle sobre a dimensão, entrega e qualidade de construção, tanto quanto o uso do projeto (OLIVEIRA, 2008).
A escolha do empreendedor selecionado é outro problema, pois nem sempre o agente público conhece o parceiro, ainda que existam requisitos objetivos a serem observados na escolha. 
Caso as partes não sejam criteriosas, na estruturação e negociação podem ensejar responsabilidades.
Na hipótese de propriedade privada, o risco do parceiro privado ter o direito de vender o projeto a um terceiro desconhecido do parceiro público é outra desvantagem.
Retorno econômico para o parceiro público por investimento financeiro ou não financeiro é frequentemente dependente da performance do parceiro privado e da gestão operacional (MEDAUAR, 2008, p. 331).
Qualquer empreendedor privado tem o direito de questionar o processo de seleção do parceiro privado e a seleção de um parceiro privado que não tem tradição regional pode ser contencioso (MEDAUAR, 2008, p. 331). 
O processo tradicional de financiamento, dimensionamento e desenvolvimento de um projeto típico é significativamente diferente de um processo necessário para estruturar uma PPP, portanto, o consenso para prosseguir é essencial. A estabilidade política é também ingrediente fundamental. As expectativas do parceiro público podem estar incompatíveis com o mercado, o que prejudica o parceiro privado e, muitas vezes, para a aprovação do empreendimento, necessária se faz a aprovação legislativa específica (SUNDFELD, 2005, p. 23). 
Do que foi dito e demonstrado, conclui-se que as garantias ofertadas ao polo particular nas PPP’s atraem o capital privado para a feitura de investimentos nos serviços públicos. Contrata-se nada mais nada menos do que os melhores meios para atingir os melhores fins, sem, contudo, deixar de resguardar o princípio da legalidade (OLIVEIRA, 2008).
Pontos comuns referentes à concessão patrocinada e à concessão administrativa
I – previsão de contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, sob pena de se configurar a concessão comum; 
II – garantia de equilíbrio econômico financeiro; 
III – compartilhamento de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado;
IV – financiamento por terceiros; 
V – constituição de sociedade de propósitos específicos, em caráter obrigatório, independente de o licitante vencedor ser ou não um consórcio; 
VI – previsão de penalidades aplicáveis à Administração Pública; 
VII – delimitação do prazo contratual, que não pode ser inferior a 5 nem superior a 35 anos, incluindo eventual prorrogação;  e
VIII – observância da lei de Responsabilidade Fiscal.

Os princípios regentes das parcerias público-privadas encontram-se consagrados no art. 4º da Lei nº 11.079/2004, a seguir elencados:  
a) Eficiência; 
b) Respeito aos interesses privados tanto do destinatário do serviço como do parceiro privado; 
c) Indelegabilidade de controle; 
d) Observância da responsabilidade fiscal; 
e) Transparência;  e
f) Repartição dos riscos e manutenção do equilíbrio financeiro da parceria. 

No que tange a interesses privados do parceiro privado, compartilhar, partilhar os encargos e o equilíbrio econômico propende a incentivar o capital privado a promover investimentos no mercado brasileiro na infraestrutura. 
Os interesses privados do destinatário dos serviços e do parceiro privado encontram-se correlacionados com a repartição dos riscos e manutenção do equilíbrio financeiro da parceria. 
As conclusões que podemos chegar é que as PPPs são importantes para o Brasil e principalmente no atual contexto socioeconômico, uma vez que diminuem as atribuições do Estado no que tange a execução dos serviços característicos da Administração Pública, com a diminuição das incumbências e divisão das responsabilidades entre o público e o privado.

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