sábado, 11 de fevereiro de 2017

  No Serviço Público Licitar é Necessário - VII

Por: Ilo Jorge de Souza Pereira

Especialista em Gestão Pública e Política.



Lei das Licitações e Contratos, e suas alterações

Embora o título da unidade se reporte inicialmente à lei nº 8.666/93, nosso objetivo nesta unidade é discorrer tanto sobre digamos, a primeira lei de licitações, quanto de suas várias alterações, assim os devidos comentários cabíveis a esta lei estarão inseridos contextualmente na medida que formos caminhando, no entanto, vamos começar praticamente de trás para frente, ou seja, lançando alguns comentários sobre a Lei nº 12.349/2010, que foi criada a partir da Medida Provisória nº 495 que alterava a Lei nº 8.666/1993, e dá preferência, nas licitações públicas, para produtos e serviços produzidos no país com desenvolvimento de tecnologia. Isso quer dizer que os governos poderão pagar até 25% a mais nas compras de tecnologia nacional.
A prioridade terá que ser justificada em estudos que levem em consideração a geração de emprego e renda, a arrecadação de tributos, o desenvolvimento e a inovação tecnológica realizados no Brasil, o custo adicional dos produtos e serviços, e a análise retrospectiva dos resultados.
Outros três diplomas legais foram alterados: a Lei nº 8.958/94, a Lei nº 10.973/04 e a Lei nº 11.273/06.
Nas contratações destinadas à implantação, manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação, considerados estratégicos, a licitação poderá ser restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País e produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei nº 10.176, de 11 de janeiro de 2001. A cada exercício financeiro, será divulgada na internet, a relação de empresas favorecidas com indicação do volume de recursos destinados a cada uma delas.
A lei também altera a Lei nº 8.958/1994, que rege o relacionamento entre agências de fomento e fundações de apoio à pesquisa, ensino e extensão das instituições científico-tecnológicas (ICTs).
As instituições federais de ensino superior (IFES) e as demais ICTs poderão celebrar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666. Os acordos poderão ser feitos por prazo determinado, com fundações instituídas com a finalidade de dar apoio a projetos de ensino, pesquisa e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, inclusive na gestão administrativa e financeira estritamente necessária à execução desses projetos.
A legislação também autoriza a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as agências oficiais de fomento a realizarem convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666, por prazo determinado, com as fundações de apoio, com o intuito de dar apoio às IFES e às ICTs, inclusive na gestão administrativa e financeira dos projetos.
Na verdade, se a pretensão era estimular o desenvolvimento nacional, o governo deveria ter incentivado os estrangeiros a trazerem recursos e investirem no Brasil para aqui gerar emprego, renda e tecnologia, inclusive, com incentivos fiscais e outros, para a instalação de unidades produtivas.
Nesse ponto, tem-se um registro a fazer. Em paralelo às ações judiciais, que certamente serão movidas, as empresas estrangeiras estão se antecipando como podem: várias já compraram cotas de capital em empresas brasileiras para obter dividendos dos contratos governamentais e outras estão buscando joint ventures com brasileiras e enviando partes de componentes do exterior para produtos a serem “nacionalizados” no Brasil, para fins de vendas aos órgãos públicos (Disponível em: https://www.planalto.gov.br/).
Segundo comentários de alguns especialistas como JONAS LIMA (2011), a Lei 12.349 (decorrente de uma MP) já nasceu inconstitucional a começar por não atender ao requisito básico da urgência. No mérito das normas de preferências nacionais (de até 25%), o governo trilhou caminho errado, quebrando pressupostos constitucionais, entre outros, o de “igualdade de condições a todos os concorrentes”. E não adianta comparar de forma genérica o texto com o do “American Buy Act”, que é bastante diferente e decorre de motivos diferentes.
No âmbito externo, a norma declara guerra comercial e instiga retaliações, a recaírem sobre empresas brasileiras que participem de licitações em outros países, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. No âmbito interno, abre a porta da desigualdade e incentiva a falta de competitividade (menos concorrentes), o atraso tecnológico (reserva de mercado) e o sobrepreço (pagando-se mais caro), relegando ainda os princípios da eficiência e da economicidade.
Devido a pertinência com que o autor tratou o tema, o ensaio que se segue está na sua íntegra e pertence a RICARDO ALEXANDRE SAMPAIO (2011).
A este rápido ensaio, interessam, especialmente, as alterações que afetam o processamento dos certames licitatórios e a gestão dos contratos administrativos; nesse sentido, a primeira medida prevista pela Lei nº 12.349/10, altera justamente a finalidade da licitação.
De acordo com a nova redação dada ao caput do art. 3º da Lei nº 8.666/93, a licitação, além de se destinar a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, agora também objetiva a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
A atribuição de mais essa finalidade legal ao procedimento licitatório permitirá a edição de atos voltados à implementação de ações correlatas ao processo de contratação, principalmente medidas voltadas à celebração de contratações sustentáveis. Será esse o fundamento legal que legitimará a edição de atos infralegais com o objetivo de fazer constar nos editais exigências voltadas à sustentabilidade das contratações públicas.  
Ao inserir a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como uma das finalidades legais da licitação, legitima-se, também, o uso do poder de compra do Estado como ferramenta voltada à difusão de políticas públicas. Com isso, mais do que apenas satisfazer as necessidades da Administração, o contrato administrativo também servirá como indutor de políticas públicas, em especial aquelas voltadas ao fomento e ao desenvolvimento de segmentos econômicos reputados estratégicos.
Prova disso extrai-se da própria Lei nº 12.349/10, que, ao inserir o § 5º ao art. 3º da Lei nº 8.666/93, passa a admitir a concessão de margem de preferência para produtos manufaturados e para serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras.
Essa medida afasta por completo a cogitação equivocada do dever de tratar igualmente todos os licitantes nos procedimentos licitatórios. Isonomia não significa, necessariamente, esse tratamento igual. Segundo a inteligência talhada com base no pensamento de Rui Barbosa de que a regra da igualdade consiste em considerar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. A violação à isonomia é justamente tratar desigualmente os iguais ou tratar os desiguais com igualdade. Logo, a isonomia não reside no tratamento igualitário absoluto, mas em saber reconhecer quando se está diante de desiguais que exigem tratamento diferenciado.
Antes, a Lei nº 8.666/93, somente admitia a inclusão de cláusulas ou condições que conferissem tratamento desigual aos licitantes em vista de circunstâncias pertinentes ou relevantes para assegurar a perfeita execução do objeto do contrato. Dito de outro modo, o estabelecimento de condições restritivas à competição ou que estabelecessem preferências ou distinções entre os licitantes deveria obrigatoriamente se relacionar com aspectos atinentes à execução do objeto.
Com a nova disciplina, o § 5º do art. 3º da Lei nº 8.666/93 passa a admitir a previsão de cláusula que diferencie os licitantes em função da nacionalidade dos produtos e serviços cotados. Admite-se, assim, privilegiar, por meio da concessão de margem de preferências, licitantes que ofertem produtos ou serviços nacionais e que atendam a normas técnicas brasileiras.
Ora, se a finalidade da licitação passa a ser também promover o desenvolvimento nacional sustentável, a concessão de benefícios que permitem o desenvolvimento do mercado interno se alinha a esse propósito. Trata-se, portanto, de reconhecer que os licitantes que ofertam produtos e serviços nacionais, por força de lei, não são iguais aos demais licitantes. Daí porque o fundamento para tratá-los desigualmente, na proporção da desigualdade criada pela Lei.
E, na forma do § 8º acrescentado ao art. 3º da Lei nº 8.666/93, essa desigualdade criada pela Lei confere preferência aos produtos manufaturados e serviços nacionais, desde que não ultrapassem o montante de 25% sobre o preço dos produtos manufaturados e serviços estrangeiros.
Por ser medida que cria distinção entre licitantes nos procedimentos licitatórios, sua interpretação deve ser restritiva, ou seja, sua aplicação deve limitarse ao exato alcance da Lei que a estabeleceu. A regra é que todos sejam iguais na forma da Lei (art. 5º da CF/88). Logo, somente ela pode conferir ou reconhecer a desigualdade. Daí porque a desigualdade criada pela Lei não pode ser ampliada pelo administrador para além dos seus efetivos limites, sob pena de ilegalidade.
Nesse contexto, a Lei nº 12.349/10, estabeleceu que, além do montante máximo de 25% sobre o preço dos produtos manufaturados e serviços estrangeiros, as preferências por produto, serviço, grupo de produtos ou grupo de serviços serão definidas pelo Poder Executivo federal.
A Lei nº 12.349/10, ao inserir essa disposição na Lei de Licitações, não remeteu, ao menos textualmente, à expedição de decreto. Mencionou somente a necessidade de ato do Poder Executivo federal para definir o montante a ser observado para efeito de concessão de preferência aos produtos manufaturados e serviços nacionais. Não obstante, considerando a competência exclusiva do Presidente da República para expedir decretos e regulamentos objetivando a fiel execução das leis (art. 84, inc. IV, da CF/88), não se vislumbra outro ato para tanto. Trata-se, portanto, de medida condicionada à expedição de decreto pelo Chefe do Poder Executivo federal.
Também foram inseridos os incisos XVII e XVIII ao art. 6º da Lei nº 8.666/93, com o claro intuito de delimitar as hipóteses de incidência da concessão da margem de preferência para “produtos manufaturados nacionais” e “serviços nacionais”, pressupostos para a preferência. Segundo a nova disciplina, entende-se por:
XVII - produtos manufaturados nacionais - produtos manufaturados, produzidos no território nacional de acordo com o processo produtivo básico ou com as regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo federal;
XVIII - serviços nacionais - serviços prestados no País, nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo federal.
Outro aspecto importante a se ressaltar é o prazo de validade para as preferências estabelecidas por produto, serviço, grupo de produtos ou grupo de serviços. Conforme o novo § 6º do art. 3º da Lei nº 8.666/93, a margem de preferência será estabelecida com base em estudos revistos periodicamente, em prazo não superior a cinco anos. A rigor, a cada cinco anos vence a margem de preferência concedida, devendo-se fixar, com fundamento nos estudos realizados, a sua prorrogação por igual período, no máximo.
Assim, a cada intervalo de não mais do que cinco anos, caberá ao Poder Executivo federal rever a concessão das preferências em vigor para verificar se elas ainda cumprem o objetivo de promover o desenvolvimento nacional sustentável ou se, em vista de critérios e fatores objetivos, não se justificam mais.
Foram eleitos como critérios a serem empregados nessa análise os seguintes indicadores:
i. geração de emprego e renda;
ii. efeito na arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais;
iii. desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País;
iv. custo adicional dos produtos e serviços; e,
v. em suas revisões, análise retrospectiva de resultados.
Além da preferência concedida aos produtos manufaturados e serviços nacionais, também foi introduzido o § 7º ao art. 3º da Lei nº 8.666/93, de acordo com o qual, “para os produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País, poderá ser estabelecido margem de preferência adicional àquela prevista no § 5º”.
Atente-se que a concessão de margem de preferência adicional não poderá representar a superação do montante máximo de 25% sobre o preço dos produtos manufaturados e serviços estrangeiros. Trata-se de um limite intransponível.
Ainda sobre a concessão de margem de preferência adicional, a Lei não estabeleceu o que se deve entender por “produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País”. Mais uma vez, caberá ao regulamento a ser expedido pelo Chefe do Poder Executivo federal conferir limites precisos e claros para a aplicação dessa medida.
Mesmo provenientes de outros países, produtos manufaturados e serviços originários dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) poderão receber, total ou parcialmente, as mesmas preferências concedidas aos produtos e serviços nacionais. Essa previsão está contida no § 10 inserido ao art. 3º da Lei nº 8.666/93 e, ainda que esse dispositivo não tenha feito previsão específica sobre o instrumento que estenderá o benefício aos produtos e serviços do MERCOSUL, tudo leva a crer pela aplicabilidade de decreto federal.
Além das espécies e dos limites legais indicados para a aplicação das preferências instituídas pelas modificações promovidas na Lei nº 8.666/93, há também o condicionamento da aplicação desses benefícios a outro fator. Conforme disciplina o § 9º acrescido ao art. 3º da Lei nº 8.666/93, as preferências aos produtos manufaturados e aos serviços nacionais não se aplicam aos bens e aos serviços cuja capacidade de produção ou prestação no País seja inferior “à quantidade a ser adquirida ou contratada”. Representaria verdadeira incongruência conceder preferência em uma hipótese em que o beneficiário não é capaz materialmente de se valer desse benefício.
O inciso II do § 9º do art. 3º da Lei nº 8.666/93 também foi inserido para prever hipótese de vedação à aplicação das preferências concedidas a produtos e serviços nacionais, com idêntica finalidade à anterior. De acordo com essa disposição, não será possível conceder o benefício da preferência quando a capacidade de produção ou prestação no País seja inferior “ao quantitativo fixado com fundamento no § 7º do art. 23 desta Lei, (...)”. Não se admite a concessão de preferência quando a capacidade produtiva instalada no País for inferior ao quantitativo mínimo previsto no edital para efeito de cotação parcial do quantitativo em disputa.
Outra hipótese de preferência criada pela Lei nº 12.349/10 foi inserida no § 12 do art. 3º da Lei nº 8.666/93 e diz respeito exclusivamente às contratações destinadas à implantação, à manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação, considerados estratégicos em ato do Poder Executivo federal.
Compreendem sistemas de tecnologia de informação e comunicação estratégicos, segundo o novo conceito inaugurado pelo inc. XIX do art. 6º da Lei nº 8.666/93, os bens e serviços de tecnologia da informação e comunicação cuja descontinuidade provoque dano significativo à administração pública e que envolvam pelo menos um dos seguintes requisitos relacionados às informações críticas: disponibilidade, confiabilidade, segurança e confidencialidade.
Nessas situações, a disciplina legal instituída permite a realização de licitação restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País e produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei nº 10.176/01, desde que assim previsto em ato do Poder Executivo.
Mais uma vez, a Lei nº 12.349/10 não remeteu a disciplina a ser fixada à expedição de um decreto, mencionando apenas a necessidade de ato do Poder Executivo federal. Não obstante, dadas as mesmas razões acima indicadas, não se vislumbra ato mais apropriado para tanto.
Verifica-se na disciplina ora inserida à Lei nº 8.666/93 uma preocupação com a transparência e a justificação dos resultados obtidos. Tanto é assim que, mais do que simplesmente estabelecer critérios de preferência, a Lei nº 12.349/10 também tratou de condicionar a aplicação desse regime diferenciado a uma revisão periódica de sua conveniência e oportunidade, obviamente, em vista de indicadores relevantes para a satisfação de políticas públicas em curso e que o justificam. A par dessa obrigação legal, o § 13 do art. 3º da Lei nº 8.666/93 exige ainda a divulgação, na internet, a cada exercício financeiro, da relação de empresas favorecidas em decorrência desses benefícios, com indicação do volume de recursos destinados a cada uma delas.
Outra novidade promovida pela Lei nº 12.349/10, diz respeito à adoção de medidas de compensação comercial, industrial, tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento em favor de órgão ou entidade integrante da Administração Pública. Mais uma vez, para que essa medida possa surtir efeitos práticos e passe a ser aplicada no curso das contratações, será preciso expedir decreto tratando do tema, bem como, a partir disso, a previsão nos editais de licitação, mediante prévia justificativa da autoridade competente.
As novidades em exame também alcançam duas hipóteses de dispensa de licitação. A primeira modificação alterou o inc. XXI do art. 24 da Lei nº 8.666/93, passando a admitir a contratação direta de insumos destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos por instituições de fomento à pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim. Antes, essa previsão de dispensa de licitação permitia apenas a contratação de bens para essa finalidade. Como a Lei nº 8.666/93 não define o que se deve entender por insumos, essa alteração tende a produzir efeito discreto.
A segunda novidade é o inc. XXXI do art. 24 da Lei nº 8.666/93, que autoriza a dispensa de licitação “nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 4º, 5º e 20 da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios gerais de contratação dela constantes”.
A Lei nº 10.973/04, versa sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e, nos dispositivos mencionados, dispõe sobre a celebração de ajustes associativos com o objetivo de estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação voltados para atividades de pesquisa e desenvolvimento que objetivem a geração de produtos e processos inovadores, bem como a realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento que envolvam risco tecnológico para a solução de problema técnico específico ou a obtenção de produto ou processo inovador.
No tocante à gestão dos contratos administrativos, a Lei nº 12.349/10 ainda alterou a Lei nº 8.666/93 para prever nova hipótese de prorrogação contratual. Segundo o inc. V inserido ao art. 57 da Lei de Licitações, os contratos firmados a partir das hipóteses de dispensa de licitação previstas nos incs. IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24 poderão ter vigência prorrogada por até 120 meses, caso haja interesse da Administração.
As situações de dispensa de licitação previstas nos incs. IX, XIX e XXVIII do art. 24 da Lei nº 8.666/93 envolvem diretamente os aspectos da segurança e da defesa nacional. A previsão contida no inc. XXXI alcança os contratos cujos objetos se relacionem com a concessão de incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. São, portanto, situações bastante específicas e que não serão aplicadas pela larga maioria de órgãos e entidades públicas. Contudo, para aqueles órgãos e entidades aptos a se valerem desse novo prazo, não basta a simples conveniência administrativa para prorrogação desses ajustes, exige-se, também, a anuência da contratada.
Por último, todas as novidades promovidas pela Lei nº 12.349/10 na disciplina da Lei nº 8.666/93 se estendem às licitações processadas pela modalidade pregão. A partir disso, revela-se inapropriada a cogitação de fixação de preferência para produtos ou serviços nacionais em vista da modalidade de licitação a ser aplicada. A modalidade pela qual se processa a licitação não foi um critério estabelecido pela Lei para concessão de preferência.
Feitos esses apontamentos iniciais sobre as medidas instituídas pela Lei nº 12.349/10, firmam-se as primeiras conclusões sobre tais novidades.
Definitivamente, a licitação deixa de ser um procedimento formal com o objetivo apenas de assegurar condições de igualdade a todos aqueles que desejam contratar com a Administração Pública e, a partir disso, selecionar a proposta mais vantajosa entre as várias apresentadas. Em vez disso, o procedimento licitatório recebe a finalidade de servir à indução de políticas públicas com o propósito de promover o desenvolvimento nacional sustentável.
Essa condição não representa, em si, uma novidade. Com a Lei Complementar nº 123/06, que instituiu o Estatuto das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, era possível visualizar a aplicação da licitação como ferramenta para a promoção de política pública de acesso ao mercado das contratações públicas, promovendo o fomento e o desenvolvimento dos pequenos empreendedores por meio da concessão de preferência nas aquisições de bens e serviços pela Administração Pública.
Não obstante, a alteração do caput do art. 3º da Lei nº 8.666/93 atribui, de uma vez, essa finalidade à licitação, afastando qualquer dúvida sobre a legalidade e a própria legitimidade em torno do emprego desse expediente.
Outra conclusão possível de ser formada nesse momento diz respeito à natureza das normas inseridas na Lei nº 8.666/93. A rigor, trata-se de normas de eficácia contida, ou seja, não estão aptas a produzir efeito imediato, pois exigem regulamentação pelo Poder Executivo.
Como dito acima, a Constituição da República atribuiu competência exclusiva ao Presidente da República para expedir decretos com o objetivo de regulamentar a fiel aplicação da lei. Logo, a concessão de preferências para produtos manufaturados e serviços nacionais; a previsão de preferência adicional; a extensão dessas preferências para produtos e serviços originários de Estados Partes do MERCOSUL; a instauração de procedimento licitatório restrito a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País e produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei nº 10.176/01 nas contratações destinadas à implantação, à manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação, considerados estratégicos; e, ainda, a previsão de medidas de compensação comercial, industrial, tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento em favor de órgão ou entidade integrante da Administração Pública dependem, necessariamente, da expedição de decreto regulamentador. Antes disso, a previsão dessas medidas nos editais de licitação se revela ilegal.
Em síntese, vislumbra-se uma modificação na estrutura que conforma a Lei nº 8.666/93, especialmente por conta do modo como um dos pilares que sustenta a licitação foi afetado, no caso, a isonomia. A criação da possibilidade de concessão de uma margem de preferência estabelecendo distinção entre os licitantes faz com que as modificações ora implementadas não sejam simples. Pelo contrário, os desdobramentos efetivos desse recente cenário poderão provocar alterações radicais no processamento das licitações, a depender dos termos da regulamentação a ser expedida. Por conta disso, somente a efetiva regulamentação das medidas agora instituídas por lei permitirão dimensionar os efeitos da Lei nº 12.349/10 (SAMPAIO, 2011).

Nenhum comentário:

Postar um comentário