Por: Ilo Jorge de Souza Pereira
Especialista em Gestão Pública e Política.
O serviço público e a Constituição da República de 1988
O Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Definição do serviço público:
- fatores políticos, econômicos, financeiros, sociais;
- atividades essenciais à coletividade;
- regime de direito público;
- postas à disponibilidade dos indivíduos;
- prestação direta pelo Estado;
- prestação indireta (delegação aos particulares).
O serviço de transporte público municipal na Constituição da República:
Art. 30. Compete aos Municípios:
(...)
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial:
- serviço público de natureza essencial; e
- prestação direta (Estado) ou indireta (delegação).
Lei n. 8.987/1995: estabelece normas gerais para a concessão e permissão da prestação de serviços públicos no âmbito de todos os entes federados.
Características do serviço de transporte coletivo municipal:
•essencialidade;
•relação com a dignidade da pessoa humana;
• perecível: produção e o consumo ocorrem concomitantemente: o assento não ocupado gera o mesmo gasto que aquele utilizado;
•demanda sazonal: há horários de pico e horários ociosos;
•usuários principalmente da classe “B” e “C”;
•ausência de subsídios (a rigor), e
•existência de benefícios diversos para a sociedade.
Concessão/Permissão
Atualmente, a diferenciação entre concessão e permissão é sutil:
Art. 2º. Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;
(...)
IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.
Supremo Tribunal Federal (ADIn n. 1.491-DF): afastou qualquer distinção conceitual entre permissão e concessão, diante do caráter contratual da primeira.
Podemos conclui que ambos os institutos:
1) são formalizados por contratos administrativos;
2) têm o mesmo objeto: a prestação de serviços públicos;
3) representam a mesma forma de descentralização: ambos resultam de delegação negocial;
4) não dispensam licitação prévia;
5) recebem, de forma idêntica, a incidência de várias particularizações desse tipo de delegação, como supremacia do Estado, mutabilidade contratual, remuneração tarifária, etc.
Duas insignificantes diferenças entre a concessão e a permissão:
1. fato de a permissão poder ser contratada com pessoa física;
2. precariedade do instituto permissão, a qual indica que a Administração Pública poderá, a qualquer momento, desfazer livremente o contrato com o particular, sem direito à indenização.
Entretanto, é preciso levar em consideração os princípios da razoabilidade e a vedação ao enriquecimento ilícito.
Delegação do serviço de transporte público:
- CONCESSÃO (por intermédio de concorrência);
- PERMISSÃO (a modalidade licitatória depende do valor, Art.23, da Lei nº 8.666/1993).
Critérios de julgamento da Lei nº 8.987/1995:
Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios:
I. o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;
II. a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão;
III. a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II e VII;
IV. melhor proposta técnica, com preço fixado no edital;
V. melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica;
VI. melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; ou
VII. melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas.
Inaplicabilidade da Lei nº 8.666/1993, quanto à escolha dos critérios para a licitação da prestação de serviços públicos.
Vedação à criação de novo critério.
Fonte legal: Art. 18, da Lei nº 8.987/1995, c/c art. 6º, da Lei nº 8.666/1993.
Art. 6º. Para os fins desta Lei, considera-se:
IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução.
As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório (Art. 7º, § 2º).
O Edital indicará, obrigatoriamente, local onde poderá ser examinado e adquirido o projeto básico (Art. 40, inc. IV).
O projeto básico e/ou executivo, com todas as suas partes, desenhos, especificações e outros complementos constituem Anexos do Edital, dele fazendo parte integrante. (Art. 40, § 2º, I)
Formas usuais de se determinar o valor da tarifa:
• utilização de custos médios, em que há pré-fixação da tarifa, a qual deve abranger a cobertura dos custos totais da operação, mais uma taxa de retorno sobre o capital investido;
• regulação do preço limite, em que o poder concedente fixa a tarifa máxima, abrindo a competição regulada pelo oferecimento do menor preço ao usuário, a um padrão mínimo de qualidade.
Adoção da licitação do tipo menor tarifa – fixação do preço máximo aceito pelo Poder Concedente, a ser encontrado mediante a elaboração de cálculos com os custos fixos e variáveis da operação.
O que defende o Ministério Público de Contas em geral
A única escolha capaz de promover o serviço de transporte público local adequado, eficiente e módico, sobretudo em consonância com a conjuntura atual dos municípios brasileiros é a licitação consubstanciada no tipo menor tarifa.
Também as propostas das empresas devem ser elaboradas e apresentadas mediante planilhas abertas (pessoal, exceto diretoria; bens imóveis, tais como garagem; bens móveis: frota, máquinas e equipamentos; insumos).
Nessas matrizes devem ser evidenciados todos os tributos, encargos sociais, depreciação, manutenção da frota e etc.
O valor tarifário (“menor tarifa”) deve ser estabelecido com base em custos relacionados em planilha aberta (insumos, encargos, tributos, salários e outros elementos componentes), para que o julgamento possa efetivamente refletir o preço de mercado.
Vantagens da planilha aberta:
Permite que o ente público avalie anualmente a realidade de possíveis desequilíbrios ocorridos com o passar do tempo, através da apuração no mercado dos itens que compõem os custos das empresas, atendendo plenamente os arts. 18 e 23, IV da Lei nº 8.987/1995 c/c art. 40, XI, primeira parte, da Lei nº 8.666/1993, in verbis:
Art. 18. O Edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente:
VIII - os critérios de reajuste e revisão da tarifa;
Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:
IV - ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas;
Art. 40. O Edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;
Fixação da tarifa através do parâmetro de custos médios e não pelo custo real induz os agentes econômicos à ineficiência e à sonegação de informações, sem que eventuais ganhos de eficiência em relação à média estabelecida pelo Poder Concedente repercutam na modicidade da tarifa.
Das gratuidades
Isenções. Compensações.
Como não há controle quantitativo do número de utilizações gratuitas, a estimativa do benefício da gratuidade compõe o valor da tarifa como custo, que é arcado pelos demais usuários (pagantes) do serviço de transporte público local.
Essa compensação contraria o princípio da modicidade tarifária e da dignidade da pessoa humana, pois exclui os que mais necessitam do Sistema de Transporte Público Coletivo.
Isenção deve ser custeada pelo Poder Público. ADI 3768/DF.
Há que constar nos Editais.
Pagamento da outorga: valor entregue pelo concessionário ao Poder Concedente, em virtude da delegação do serviço (Lei nº 8.987/1995, art. 15, II).
Deve ser interpretado à luz do princípio da modicidade tarifária e do interesse público primário.
Desvantagens da exigência de pagamento da outorga:
• a receita destina-se eminentemente aos cofres públicos, enriquecendo o ente (interesse público secundário), em detrimento de uma tarifa mais módica.
• se não existir o ônus de pagar ao Município o importe pela delegação, pode o concessionário oferecer menor tarifa, dada a redução de custos.
Tribunal de Contas da União
Quanto à definição do preço mínimo de outorga a ser definido em Edital, o critério metodológico definido – Fluxo de caixa Descontado a Valor Presente – é compatível com a avaliação de negócios empresariais, de modo que a determinação contida no subitem 8.2.1.2 da Decisão nº 427/2002 – TCU – Plenário foi atendida. Porém, vale registrar que o valor da outorga impactará no valor da tarifa a ser cobrada do usuário, comprometendo, em última instância, o critério de modicidade de tarifas, expresso no Art. 6º da Lei nº 8.987/95, haja vista que o permissionário, ao efetuar sua proposta na licitação, procede ao ajuste entre o valor de outorga e o preço de tarifa.
Desse modo, todo o acréscimo ao valor de outorga oferecido é compensado no valor da tarifa onerando, por conseguinte, o usuário dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros. Devido a isso, a ANTT informou que passará a fixar o valor de outorga a ser cobrado, simbolicamente, em R$1,00 (um real), permitindo, dessa maneira, que a competição entre os licitantes ocorra em função do menor valor da tarifa ofertado (acórdão 865/2003 TCU)
Custo de Gerenciamento Operacional ou “Taxa de Gerenciamento”
Criação de tributo da espécie taxa, vinculada à fiscalização e gerenciamento a ser realizado pelo Poder Concedente em face do serviço concedido.
Costuma ser cobrada sem previsão legal.
Ainda que a “taxa de gerenciamento” fosse prevista em lei, padeceria de vício de inconstitucionalidade, por incidir sobre base de cálculo própria de imposto (serviço), em afronta direta ao § 2º do artigo 145 da Constituição da República.
Das outras formas de receita
Lei nº 8.987/1995:
Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no Edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no Art. 17, desta referida Lei.
Art. 18. O Edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente:
VI - as possíveis fontes de receitas alternativas, complementares ou acessórias, bem como as provenientes de projetos associados.
Autorização legal para que o edital estabeleça a possibilidade de receitas alternativas, complementares ou de projetos associados, com vistas à cobrança de tarifas módicas é um poder-dever da Administração.
No caso, exige-se, no mínimo, a exploração da atividade de publicidade associado ao transporte coletivo.
Para o Tribunal de Contas da União, é cláusula obrigatória:
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em: [...]
9.2. determinar à Prefeitura Municipal de Salvador que, nos futuros procedimentos licitatórios para concessão de serviços públicos em que haja repasse de recursos públicos federais: [...]
9.2.13. inclua no Edital e no contrato de concessão a possibilidade de realizar revisão tarifária, por solicitação do poder concedente, para que seja mantido o equilíbrio econômico-financeiro do ajuste, incluindo avaliações dos recursos relativos a fontes acessórias e complementares de receita, nos termos dos Arts. 9º, 11, 23, inciso IV, e 29, inciso V, da Lei nº 8.987/1995;
Fixação do prazo. Razoabilidade. Amortização dos custos. Não há prazo legal.
Prorrogação. Interesse público primário.
O interesse público a ser contemplado na eventual prorrogação deve retratar a primazia do interesse do jurisdicionado sobre aquele da Administração – interesse público primário.
Aliás, a referida prorrogação não deve ser condicionada tão-somente ao interesse público primário, pois deve restar cabalmente comprovado que tal ato assegurará menor preço de tarifa do que a realização de novo procedimento licitatório.
A eventual prorrogação deve, ainda, ensejar a revisão da tarifa, a fim de expurgar a parcela correspondente à amortização do investimento já efetuada.
Esta é a interpretação que melhor se coaduna com os princípios da supremacia do interesse público pelo privado e da modicidade tarifária.
Necessidade de se propiciar um sistema de controle do serviço de transporte público urbano que permita obter informações precisas e tempestivas sobre o número de usuários pagantes, os horários de pico e ociosidade, lotação e etc.
É comum a previsão de que a empresa deve implantar ou se submeter a um sistema de bilhetagem eletrônica.
Bilhetagem eletrônica = elemento essencial do controle da Administração Pública sobre o concessionário.
Compensação do benefício da gratuidade conferida pelo poder público a grupos como os idosos, estudantes, menores de determinada idade e etc.
Subsidiar a manutenção do equilíbrio econômico financeiro.
Da revogação/anulação do certame
Cláusula que confere ao Poder Concedente o direito de a seu exclusivo critério, a qualquer tempo, revogar ou anular o procedimento licitatório, sem indenização ao particular: ilegalidade.
A Administração Pública pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Resguarda-se o direito reparação por perdas e danos, quando restarem comprovados prejuízos advindos do ato revogatório ou anulatório.
Supremo Tribunal Federal
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL. ANULAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA.
CONTRATOS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. GARANTIA
DO DIREITO ADQUIRIDO E DO ATO JURÍDICO PERFEITO.
A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. Súmula 473/STF. Processo administrativo e garantia da ampla defesa. Inobservância. Agravo regimental não provido. RE 342593 AgR / SP - SÃO PAULO
DJ 14-11-2002.
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