quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

No Serviço Público Licitar é Necessário - III

Por: Ilo Jorge de Souza Pereira
Especialista em Gestão Pública e Política
Em decorrência de ser a Administração responsável por cuidar de interesses de que não é titular, visto que são interesses públicos, todos os responsáveis pela gestão dos recursos públicos devem estar, a todo momento, preparados para prestar contas a respeito de suas atividades, especialmente quando estas estão relacionadas com o emprego de recursos do Erário.
Nesse contexto, a realização das despesas corresponde a um ponto nodal, no qual é importante registrar que está o administrador obrigado a demonstrar que empregou recursos públicos com produtos ou serviços adequados aos fins a que se destinem e que, considerando as condições do mercado, pagou por ele um preço justo, assegurando, ademais, a possibilidade de participação de todos os particulares que estejam, potencialmente, interessados em manter relação contratual com a Administração e tenham condições de atender às suas necessidades.
Daí surge o procedimento licitatório, como meio de viabilizar não só que estas metas sejam atingidas, mas também para assegurar que qualquer interessado possa ter acesso ao conjunto de providências que foram adotadas com esta finalidade.
A realização de licitações, em nosso sistema jurídico, corresponde a imperativo consagrado constitucionalmente, conforme consta do art. 37, XXI da Constituição Federal, que prescreve:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
A disposição constitucional é bastante ampla, abrangendo toda sorte de negócios que pode a Administração vir a celebrar com terceiros, condicionando sua válida celebração à observância estrita do princípio da igualdade.
Neste pormenor, é importante que seja rememorado que este princípio não é algo que aparece pela primeira vez no texto constitucional, mas determinação constante no art. 5.º, posteriormente repisado como princípio específico da Administração Pública no art. 37 caput, sob a forma de impessoalidade e posteriormente repisado ao consagrar o constituinte o princípio licitatório.
A repetição é eloquente e deve ser considerada uma busca pela observância cada vez mais estrita do princípio conforme há aproximação da atividade administrativa de situações em que este esteja mais sensível, como no caso das licitações, daí sermos obrigados a considerar que em seara de licitação haveria uma estritíssima igualdade entre os potenciais interessados.
Esta determinação do constituinte deve nos remeter à consideração a respeito do princípio da igualdade, tal como consagrado em nosso sistema positivo, que implica o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Todo o sistema jurídico a respeito das licitações deve ser compreendido a respeito dessa compreensão.
Assim, haverá muitas situações concretas em que estaremos diante de situações em que, por força de circunstâncias de fato específicas, possa ser legal ou ilegal determinada providência ou exigência no âmbito de um procedimento desta natureza, o que decorre de motivo muito simples: os critérios para aferir as desigualdades devem estar logicamente vinculados aos objetivos perseguidos em cada caso pela administração.
A aferição deste vínculo lógico reclama a incidência extremamente forte do princípio da razoabilidade, que será meio eficaz de identificar eventuais abusos cometidos em nome da preservação da igualdade.
Estes dados de interesse público relativos às licitações têm como principal efeito concreto o resguardo dos direitos de particulares interessados em contratar com a administração – neste pormenor, intensamente irmanados com o interesse público; entretanto, também há outros elementos que devem ser observados, ainda que não estejam expressamente consagrados no texto constitucional, mas que decorrem de modo inequívoco do regime jurídico a que se vincula a Administração Pública.
Estes dados normativos constam do art. 3.º da Lei 8.666/93, que traz as normas gerais a respeito das licitações e contratos, cujo texto determina que seja buscada por meio do procedimento a proposta mais vantajosa para a Administração, assim entendida aquela que oferecer bens ou serviços de qualidade adequada associado ao menor valor – importante observar que não se trata exclusivamente de preço, mas de relação entre custo e benefício.
Essa determinação legal poderia ser colhida diretamente da Constituição, considerando-se que dentre aqueles que, em condição de igualdade, tenham interesse em contratar com a Administração apenas um, ordinariamente, poderá ser escolhido – é nesse momento, e somente neste, que surge a possibilidade de proteger de modo direto o interesse secundário da Administração, por meio da redução dos custos, o que oferece, paralelamente, um critério objetivo para que se escolha o particular a ser contratado.
Considerando que não há, por questões de ordem fática ou material, condições de atender a todos estes elementos por meio de um único ato, falaremos sempre em procedimento licitatório, assim considerado o conjunto de atos logicamente encadeados, com vistas e identificação daquele particular com quem a administração deve contratar.
Partindo destes pressupostos é que será analisado o procedimento licitatório, que nada mais é do que um meio para que sejam atendidas as disposições normativas acima mencionadas, por meio de providências que sejam devidamente registradas de modo a permitir que futuramente seja demonstrado pelo responsável pela compra que os padrões legais foram adequadamente atendidos.
Importa também registrar que, para além das normas vazadas pela Constituição, há relevantes disposições na legislação federal a respeito das licitações, especialmente na Lei nº 8.666/83, que dispõe sobre as normas gerais para as licitações e contratos, mas também na lei nº 10.520/2002, que dispõe sobre o pregão e na lei nº 12.462/2011, que estabelece o regime diferenciado de contratações.
Finalmente, não pode ser perdido de vista que as compras públicas também podem ser relevante elemento de indução de determinados setores da economia, razão pela qual há permissivos para que sejam adotadas práticas que, eventualmente, contradigam a economicidade a fim de viabilizar a perseguição de outros interesses públicos – como ocorre, por exemplo, com as pequenas empresas, cujas propostas podem ser escolhidas ainda que sejam mais onerosas do que aquelas apresentadas por empresas de grande porte.
1. PLANEJAMENTO E LICITAÇÃO
É imperioso que tenhamos sempre claro que qualquer compra pública deverá ocorrer com o fim de atender às necessidades relacionadas a determinada meta a ser perseguida pela administração.
Com efeito, não é demais lembrar que a autorização para qualquer gasto de recursos públicos depende da observância do conjunto de normas que determina o ciclo orçamentário (Plano Plurianual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e Lei de Orçamento Anual – LOA), às quais estabelecem metas a serem perseguidas pela Administração e estipula, na sequência, os recursos que estão vinculados ao cumprimento de cada uma delas.
Assim, as licitações devem ser compreendidas como a ponta, o elemento final de um processo complexo, visto que determinado por um conjunto de atos, que viabilizarão o atendimento aos diversos interesses públicos, por meio do cumprimento das diversas etapas previstas neste conjunto de normas.
Poderíamos afirmar que partindo da premissa de que o conjunto de questões que deve a Administração Pública enfrentar é bastante complexo, a legislação financeira elege as prioridades a serem enfrentadas com vistas a determinar cada uma das etapas que devem ser resolvidas.
2. PROJETO BÁSICO OU TERMO DE REFERÊNCIA
Todo procedimento licitatório depende, inicialmente, da identificação adequada e precisa dos bens ou serviços a serem adquiridos, quer dizer trata-se de elemento de fundamental importância para a efetividade do atendimento da demanda administrativa pelo futuro contratado assim como para viabilizar a adequada atenção ao princípio da igualdade, conforme demonstraremos a seguir.
A identificação do bem deve assegurar o resultado pretendido pela contratação – decorrência do princípio da finalidade e da eficiência – por meio de elementos objetivos que impeçam a oferta de bens ou serviços de qualidade diversa da necessária, ou, ainda, cujas características não sejam compatíveis com outros elementos com os quais devam se relacionar.
A bem da clareza, um exemplo: diversas pessoas políticas têm adotado posturas ativas em relação ao software livre, ou seja, somente utilizam programas cujo código seja aberto a qualquer usuário interessado. A partir desta decisão, há a necessidade de que sejam exigidos de todos e quaisquer prestadores de serviços na área de tecnologia da informação a habilidade de lidar com essa espécie de insumo tecnológico.
Com efeito, ainda que os sistemas proprietários (alternativas ao software livre) tenham condições de atender à demanda, a orientação anterior da administração e as aquisições que foram realizadas implicam a necessidade lógica de que exista uma orientação das futuras aquisições com vistas a assegurar os resultados pretendidos, a saber: dotar a administração de meios de tecnologia da informação que viabilizem o cumprimento de suas metas de modernização e incentivar a indústria de programas não proprietários assim como as empresas habilitadas em prestar serviços com essa espécie de programas.
Essa circunstância faz com que exista um delicado equilíbrio a ser observado quando da elaboração desse documento, visto que a especificação muito aberta ou ainda que seja omissa em qualidades relevantes para o desenvolvimento do projeto podem levar à contratação de um bem que não atenda à demanda, o que geraria desperdício de recursos públicos, ainda que a compra ocorresse por valor compatível com o mercado, visto que a autorização para qualquer gasto deverá corresponder à determinada meta, que, nessas condições, fatalmente não seria atendida.
Caso, por outro lado, a especificação seja exageradamente detalhada, haverá a exclusão indevida de produtos ou serviços que poderiam adequadamente atender à demanda da Administração Pública, restringindo de modo indevido o universo de proponentes – o que violaria os princípios da isonomia, visto que excluiria da licitação interessados com condições de atender à demanda proposta e da economicidade, visto que a diminuição das ofertas implica potencial majoração dos preços.
É, com efeito, a partir da descrição precisa dos encargos que devem ser suportados pelos interessados no contrato, de modo que possam ser adequadamente formados os preços, e avaliadas as efetivas condições que sejam necessárias para fazer frente aos encargos contratuais.
Este conjunto de informações deverá partir, na medida do possível, de estudos técnicos a respeito do objeto a ser futuramente licitado – no momento da licitação, deverá estar adequadamente acompanhado de orçamento elaborado pela administração com base em pesquisas de mercado ou ainda em levantamentos oficiais de preços (tabelas preparadas pela administração que retratam preços de mercado para conjuntos de produtos ou serviços).
A toda evidência, estes elementos devem ser tão mais complexos quanto mais complexa for a futura contratação, mas ainda que se pretenda adquirir bens simples, como canetas por exemplo, devemos ter uma descrição completa a respeito do objeto a ser licitado, sem utilizar elementos que levem à preferência de marca.
Nesse ponto, um exemplo ilustra a possibilidade de uma especificação que leva a nulidade: em determinada aquisição de canetas, uma das exigências apresentadas no Edital era que a caneta fosse esferográfica com ponta de tungstênio. Considerando que o material em questão não é utilizado por todos os fabricantes deste modelo de caneta, e que não há dados técnicos que viabilizem a conclusão de que este material apresenta diferença substancial de qualidade para os fins a que a Administração destinaria uma caneta, a especificação passa a ser abusiva, e, portanto, nula para todos os efeitos.
A partir destes elementos, podemos concluir que a adequada especificação é uma das chaves do sucesso para uma licitação, pois a partir da especificação dos pontos necessários ao atendimento da necessidade da administração, o critério ordinário para a escolha das propostas, como se verá adiante, será o preço, e, uma especificação que permita a oferta de produtos de qualidade inferior levará, normalmente, a administração, a adquiri-los, considerando que estes têm, via de regra, o menor preço também.
Sob o ponto de vista técnico jurídico, é importante registrar que a descrição imprecisa ou exagerada do objeto é fonte de nulidade do processo de licitação, e, ademais disso, deverá haver justificativa adequada para a escolha dos elementos constantes do descritivo colocado no termo de referência ou projeto básico, a bem do princípio da motivação.
Aqui, ademais, existe um elemento de suma importância: os quantitativos. Determinadas aquisição são, em larga medida, de justificativa evidente, tal como ocorre com material de expediente ou de limpeza, mas é importante que sejam adequadamente justificados e estimados os quantitativos de cada um dos bens que se pretende adquirir, com fundamento na utilização efetivamente verificada em períodos iguais àqueles que se pretende contratar.
3. ORÇAMENTAÇÃO E VERIFICAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA
A partir da precisa definição dos elementos que a Administração espera do futuro contrato, é importante verificar quais são os custos estimados para cada um dos elementos que se pretende contratar.
Importa registrar, nesse pormenor, que os custos devem ser referentes às menores unidades possíveis da realização da obra, da prestação dos serviços ou ainda da aquisição a ser realizada, de modo que fique consignado não apenas os valores globais da compra, mas as parcelas que levam à sua composição.
Assim, a partir deste conjunto robusto de elementos, será verificado qual o custo estimado da futura contratação, a fim de que sejam identificados dois elementos fundamentais ao sucesso da licitação, a saber: a disponibilidade orçamentária para fazer frente aos custos decorrentes da futura contratação e a viabilidade de que as empresas atuantes no mercado ofereçam os bens ou serviços previstos para a futura contratação.
Importante registrar, em relação aos custos e elementos relativos ao orçamento, que deverá ser estimado o valor da futura contratação de acordo com a média das propostas apresentadas no processo ou ainda com preços que representem a média dos preços para os itens que se pretende contratar.
A adoção do menor preço constante de cotação realizada como parâmetro para a realização destes atos poderá implicar severos problemas relacionados a encaminhamento da licitação, especialmente quanto à disponibilidade de recursos – fique registrado que não é obrigatório que as empresas que apresentaram preços para efeito de cotação participem, posteriormente, do certame.
4. POSSIBILIDADES DE FRACIONAMENTO DO OBJETO
A partir da realização do orçamento, que muitas vezes ocorre com a participação de empresas atuantes no mercado em que são oferecidos os bens ou serviços de interesse da Administração, pode ser identificado com maior precisão se existe maior conveniência na contratação de todos os produtos ou serviços com uma única empresa ou se é viável o fracionamento do objeto em diversas pequenas parcelas, de modo que cada uma possa ser ofertada por um interessado diferente.
Este fracionamento deverá observar as condições econômicas e técnicas da contratação que se pretende realizar, e deverá ser norteada pelos seguintes elementos: o maior fracionamento aumenta, potencialmente, o universo de possíveis fornecedores, ampliando a competitividade, entretanto, por outro lado, possibilita a ocorrência de conflitos de responsabilidade entre estes diferentes fornecedores.
Um exemplo ilustra a situação: considerando a contratação de duas empresas, uma para fornecer peças e outra para realizar os serviços de mão de obra, ambas com a função de realizar a manutenção de veículos oficiais. Caso o reparo não ocorra de acordo com o esperado, existirá uma dificuldade em identificar qual o contratado responsável pelo equívoco, e, enquanto isso é apurado, o veículo pode ficar sem condições de uso, prejudicando o serviço público.
Estes elementos devem ser observados no momento em que há a definição do projeto, e posteriormente reforçados quando da orçamentação, e definirão elementos importantes relacionados à forma de identificação da proposta mais vantajosa, como se verá adiante.
5. ELEMENTOS DE QUALIFICAÇÃO
Como afirmado acima, a licitação é um instrumento de promoção da igualdade, e igualdade não consiste em dispensar o mesmo tratamento a todos, mas em dispensar tratamentos iguais àqueles que estão em mesma condição e desiguais àqueles que estão em condições desiguais.
Juridicamente, a promoção de desigualdades é absolutamente corriqueira, mas para que seja viável, o critério para que a desigualdade seja identificado deverá ser razoável; em seara de licitações, estes critérios são dados pelos elementos atinentes à habilitação dos interessados no certame, parcialmente definidos de modo direito pela norma, e parcialmente deixados para uma decisão discricionária da Administração Pública.
Assim, os elementos de qualificação jurídica, relacionados à regularidade da operação empresarial em questão, são todos disciplinados em norma, diretamente. A empresa deverá manter os registros e livros que sejam compatíveis com seu ramo de atividade, estar adequadamente inscrita perante os órgãos da Administração Tributária, sempre que assim determinar a legislação de regência da atividade, e estar em situação regular perante todos estes.
Aqui, busca-se identificar a regularidade da situação da empresa, não necessariamente a sua adimplência perante o fisco. Há diversas situações em que o pagamento não se verificou e a situação permanece regular, mas é imperioso que tenham sido prestadas as declarações correspondentes à atividade, sob pena de inviabilizar a participação da empresa no certame.
Assim é porque não é possível considerar em situação de igualdade a empresa que se apresenta ao Fisco e recolhe o que lhe é exigido daquela que simplesmente se omite em relação a suas obrigações de caráter tributário, esta seria uma situação de desigualdade intolerável pelo sistema jurídico.
Superada esta questão fundamental, cabe investigar as condições de o interessado efetivamente cumprir as obrigações que decorrerão do futuro contrato. Tal necessidade se apresenta por força da atração que os contratos com a Administração exercem em relação aos agentes de mercado: são, normalmente, contratos de vulto, mas é comum que os interessados não tenham a exata dimensão a respeito do volume de encargos que lhes será demandando.
Assim, com base nas atividades anteriores da empresa será verificado se esta tem a capacidade de atender à demanda da empresa; estes elementos podem ser de ordem técnica ou operacional, e corresponderão não a todos os elementos constantes do futuro contrato, mas àqueles que sejam considerados chaves, chamadas de parcelas de maior relevância.
Tais parcelas de maiores relevância devem ser identificadas técnica e motivadamente, e correspondem aos elementos que demandam maior capacidade do interessado em contratar com a Administração, aquelas que são efetivamente estratégicas para o cumprimento do futuro contrato.
Aqui é importante observar que haverá nulidade se os elementos de qualificação técnica forem muito baixos, visto que a segurança da contratação será colocada em xeque, bem como se estes elementos estiverem exacerbados, visto que a competição será frustrada.
6. VIABILIDADE DA COMPETIÇÃO E INTERESSE PÚBLICO EM SUA OCORRÊNCIA
Uma vez estabelecido o projeto, verificada a compatibilidade orçamentária da futura contratação e identificadas as qualidades que deverá ostentar aquele que pretender ser contratado pela administração, é possível identificar, de modo preciso e em função do caso concreto, se há viabilidade de competição e, ademais disso, se há efetivo interesse público em sua instalação.
A possibilidade de que seja realizada uma competição efetiva entre os potenciais interessados é pressuposto lógico da realização de um certame, de uma competição entre estes, e quando inexistente dá ensejo à figura da inexigibilidade de licitação, reconhecida pelo art. 25 da Lei 8.666/93, que prevê expressamente o afastamento do certame quando esta situação se verifica.
É importante observar que as hipóteses previstas expressamente no texto da norma, a saber: exclusividade de fornecimento, contratação de artistas e contratação de profissionais técnicos especializados, são exemplificativas, ou seja, não contemplam todas as situações em que o instituto poderá ser aplicado.
Essa conclusão jurídica decorre de uma situação prática, histórica, e não jurídica: é inviável identificar todas as situações em que a competição será inviável, mas é importante registrar que diante dessa inviabilidade haverá a afastamento do certame, por meio da aplicação da inexigibilidade de licitação.
Os mesmos efeitos da inexigibilidade decorrem da dispensa – ou seja, não há realização de competição entre os interessados – porém com fundamentos bastante diversos: nas situações em que este conceito é aplicável a competição é viável, mas esta é afastada por outras razões de interesse público. Diferentemente do que ocorre com a inexigibilidade, que não consiste em opção do legislador, mas de uma situação de fato que torna inútil a instauração do certame, a dispensa é algo que depende da previsão expressa da lei para poder ser aplicada.
As questões que determinam a dispensa vão desde o baixo valor dos futuros contratos, que não justificam a adoção de providências onerosas – tanto no que diz respeito ao custo direto quanto no comprometimento das estruturas da administração – previstas para o processo de licitação, até razões relacionadas com a intenção da administração em fomentar determinadas atividades, ou ainda o reconhecimento de que o tempo de realização do certame não prejudique o próprio interesse público que se pretende atender pela contratação.
Não cabe, no presente texto, a análise de todas as situações de dispensa, que estão previstas no art. 24 da Lei nº 8.666/93, mas convém analisar duas hipóteses que estão, certamente, entre as que mais chamam atenção daqueles que precisam aplicar a legislação de regência das licitações e contratos, a saber: a dispensa por emergência e a dispensa em função do valor.
A dispensa em função do valor não apresenta, inicialmente, maiores demandas de investigação, considerando-se apenas que as aquisições abaixo de determinado valor não dependerão de certame; ocorre, entretanto, que podem decorrer graves nulidades e eventualmente até práticas infracionais mais graves da circunstância de haverem sucessivas dispensas para contratações que poderiam ser licitadas em um determinado conjunto.
Com efeito, é evidente a preocupação do legislador em evitar que sejam realizados procedimentos onerosos com vistas a economias ínfimas, mas a repetição das dispensas, caso supere o valor previsto em lei dentro de determinado exercício, pode demonstrar um fracionamento irregular das aquisições com vistas a evitar o procedimento e burlar o princípio licitatório.
Assim, registrando a necessidade de que as aquisições sejam planejadas, e havendo a constatação de que as quantidades necessárias de determinados bens ou serviços são inferiores a determinado valor (pode-se trabalhar com R$ 8.000,00 como referência) pelo período de um ano, não haverá utilidade efetiva com a realização do certame, eis que o custo do procedimento superará a potencial economia.
A determinação de que exista dispensa depende a possibilidade de que sejam identificados potenciais blocos de contratos (por exemplo, material de escritório ou de limpeza, em que cada item com muita frequência implicaria demanda inferior ao limite acima mencionada, mas que podem ser adquiridos em blocos, atingindo o limite em que a licitação é perfeitamente exigível).
Assim, é necessário, para a aplicação regular desta dispensa, que o bem ou serviço seja necessário em quantidade tal, no período de um ano, que, ainda que associada sua aquisição ou contratação com outros de mesma natureza não seja atingido o valor preconizado pela legislação. Tal conclusão somente é possível diante de uma situação em que as aquisições estejam adequadamente planejadas.
A questão da dispensa em função da emergência, por sua vez, demanda ainda mais atenção, eis que frequentemente é considerada irregular pelos órgãos de controle por falhas que são, em verdade, antecedentes ao processo de aquisição que se analisa. A explicação para esta situação é a seguinte: caso não exista adequado planejamento das aquisições, a situação emergencial decorreria da falta da adequada programação das compras, e não seria aplicável o permissivo legal para afastar a competição.
Assim, devemos observar mais este elemento que reforça a necessidade de planejamento como parte fundamental dos processos de licitação: caso a situação dita emergencial seja criada por falhas no andamento de processos no interior da administração ou ainda por planejamento equivocado, o processo estará fadado à irregularidade.
Devemos, então, considerar que a adequada instrução de um procedimento como este, deverá partir da demonstração de que a Administração envidou, a tempo e modo, observados todos os elementos atinentes à ordinária contratação de serviços ou aquisição de bens, os esforços que são necessários ao atendimento das demandas que lhe são apresentadas, mas que, por razão imprevisível, ou ainda previsível de consequências imprevisíveis, tais medidas não foram suficientes para atender aos interesses públicos que estão sob a responsabilidade da Administração.
A partir desta demonstração, deverá estar consignado no processo que o adiamento da contratação pelo prazo necessário ao certame (de cinco a trinta dias, de acordo com a modalidade do certame, conforme será exposto adiante) implica a inviabilidade de que seja atendido, de modo efetivo, o interesse público que determina a contratação.
Assim é, por exemplo, nas situações em que há calamidade pública, em que a vida e os bens das pessoas ficam em risco em decorrência de situações extraordinárias decorrentes de inundações ou solapamentos; nessa situação não é possível aguardar o procedimento licitatório, é imperioso que os bens estejam disponíveis de modo mais célere do que aquele que permitira o certame.
Aqui, entretanto, deve ser identificadas as medidas preventivas adotadas pela administração com vistas à preparação da demanda. Com efeito, é comum que existam chuvas bastante fortes em janeiro, estas chuvas, de modo ordinário, provocam algumas situações em que a Administração deve intervir, assim, a necessidade de intervenção, para justificar a emergência, deverá ser além daquela que seria razoável prever em função do que a expediência revela nos períodos anteriores.
7. DETERMINAÇÃO DA MODALIDADE DE CERTAME
Caso os bens a serem adquiridos ou os serviços a serem contratados não estejam incluídos nas situações verificadas acima, deve haver a preparação da fase competitiva, do certame, que ocorrerá de acordo com procedimentos definidos na legislação federal – que trata das normas gerais – e também de acordo com as normais locais atinentes a cada uma das esferas de administração.
Uma breve observação a respeito dessa matéria deverá ser realizada, ainda que a legislação federal seja bastante minuciosa, é possível que existam determinações nas normas locais que façam com que os procedimentos aumentem sua compatibilidade com os princípios norteadores dessa atividade administrativa.
Assim, são admissíveis as alterações que determinem maior publicidade dos instrumentos de convocação ou que restrinjam as possibilidades de utilização de modalidades que prevejam formalidades menores com vistas a assegurar o cumprimento dos objetivos jurídicos dos certames licitatórios.
Feitas tais observações, devemos enfrentar as questões atinentes às modalidades. A Lei nº 8.666/93, traz três modalidades de licitações voltadas à aquisição de bens e contratação de serviços, a saber: convite, tomada de preços e concorrência, colocados em ordem crescente de complexidade. A definição da modalidade ocorreria, no modelo desta norma, de acordo com o valor da contratação – quanto maior o valor, maior a complexidade.
Aqui, cabe uma observação: deve ser considerado, para a identificação do valor, a quantidade de serviços que sejam passíveis de fornecimento por um mesmo prestador de serviços ou comerciante, adotando-se a modalidade compatível com o valor global da contratação a ser empreendida.
Esta observação é muito relevante visto que existe na legislação de regência uma orientação no sentido de que sejam fracionadas as parcelas da contratação, observada a viabilidade econômica e técnica, mas, entretanto, este parcelamento não poderá implicar a adoção de modalidade de licitação que seja mais simples do que aquela que é destinada ao conjunto de bens ou serviços que se pretende adquirir.
A partir do valor deverá ser identificada a modalidade, conforme tabela constante do art. 23 da Lei nº 8.666/93, as alterações entre as modalidades estão relacionadas ao padrão de publicidade a ser adotado e ao prazo que deverá ser observado entre a conclusão das medidas de publicidade e a data previstas para a abertura do certame, que variam entre 5 (cinco) e 45 (quarenta e cinco) dias.
A partir da publicação do edital, observado o prazo de publicidade compatível com a modalidade (este prazo poderá sempre ser dilatado por decisão administrativa, nunca inferior ao preconizado por lei), serão recebidos os envelopes com os documentos relacionados à habilitação e às propostas dos interessados, em sessão pública.
Abre-se, então, os documentos atinentes à habilitação e esta é avaliada pela comissão de licitação, conforme os elementos constantes do edital, decidindo-se, de modo motivado, quanto à habilitação dos interessados e abrindo-se prazo para interposição de recursos.
Resolvidos os recursos administrativos em relação à habilitação, ressalvada a existência de alguma determinação judicial em sentido contrário são restituídos os envelopes com as propostas dos interessados inabilitados ainda fechados e abertos, em sessão pública, os envelopes das empresas habilitadas.
Os servidores responsáveis pelo processamento da licitação avaliam as propostas, a fim de identificar se as mesmas estão de acordo com os padrões estabelecidos no ato de convocação e procedem à classificação daquelas que atendam aos requisitos legais de acordo com os critérios definidos no edital, declarando a desclassificação daquelas que não contemples os elementos preconizados no projeto licitado.
Abre-se, então, novo prazo para eventuais impugnações, e, posteriormente os autos são encaminhados à autoridade superior àquelas que processaram o certame para que sejam verificados os termos do procedimento licitatório, a fim de que, se atendidas todas as determinações legais aplicáveis, seja homologado o certame.
Posteriormente à Lei nº 8.666/93, foi instituído, por meio da lei nº 10.520/02, o pregão, que consiste em uma modalidade de licitação destinada a aquisição de bens e serviços comuns, assim entendidos aqueles que possam ser descritos de acordo com padrões habitualmente previstos no mercado.
Esta modalidade de licitação deverá ser precedida de edital tornado formalmente público 8 (oito) dias úteis antes da data prevista para a recepção das propostas e poderá ser utilizada independentemente do valor previsto da contratação.
Ademais, como alteração relevantíssima em relação ao modelo da Lei nº 8.666/93, há a previsão de inversão das fases do procedimento, analisando-se, assim, em primeiro lugar, as propostas comerciais dos interessados, que poderão, ao contrário do que ocorre no rito da Lei nº 8.666/93, ser chamados a participar de um leilão invertido, reduzindo os preços originalmente lançados em suas propostas.
Após a identificação da proposta mais vantajosa se afere as condições de habilitação daquele interessado que a apresentou. As vantagens do procedimento estão relacionadas à celeridade e à redução do volume de trabalho e de incidentes desnecessários, considerando-se que apenas a habilitação do licitante vencedor deverá ser analisada.
Esta modalidade ainda poderá ser realizada por meio de instrumentos da tecnologia da informação, por meio do que se convencionou chamar pregão eletrônico, o que amplia ainda mais a competitividade eis que reduz os custos envolvidos na participação na licitação.
8. EDITAL
Sem que adentremos nos detalhes e peculiaridades de cada modalidade de licitação, observar que o edital de uma licitação é um elemento fundamental para seu sucesso – tanto sob o ponto de vista da regularidade quanto sob o ponto de vista da compra de materiais que apresentem todas as qualidades que são esperadas pela administração.
Os editais devem apresentar todos os elementos que permitam ao interessado aferir, com segurança, os encargos que devem ser suportados caso venha a se sagrar vencedor do certame, ou seja, deverá conter todos os elementos relacionados à descrição do objeto a ser licitado, de acordo com os limites que foram descritos acima.
Ademais disso, deverá deixar absolutamente claro quais são os elementos que serão necessários para a qualificação dos interessados, sem que implique, sob qualquer hipótese, a restrição indevida do universo de proponentes, o que implicará nulidade.
Também deverá o edital prever qual o critério para aferição da proposta a ser declarada vencedora, observando-se aqui que não poderá se limitar a falar simplesmente em menor preço, visto que é possível aferir o menor preço dos itens considerados globalmente, em lotes parciais ou isoladamente; tal informação deverá estar lançada de modo claro, assim como deverá estar claramente colocada a utilização de critério técnico, quando admitido.
Qualquer omissão quanto ao critério ou a utilização de qualquer critério que deixe de ser impessoal macula o procedimento.
Finalmente, o procedimento deverá ser realizado de modo que assegure a todos os interessados o contraditório e a ampla defesa, também sob pena de nulidade.




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