O Pré - Sal
Sais pertencem a um grupo de rochas sedimentares chamadas evaporitos, depositados por evaporação da água do mar, e que ao longo do tempo, foram formados em bacias fechadas sujeitas ao clima árido e com períodos de influxos de água marinha. A precipitação do sal durante a evaporação desses influxos resultou na deposição de seqüências de evaporitos, do menos solúvel para o mais solúvel. A calcita (CaCO3) é um carbonato pouco solúvel e, portanto, o primeiro a se precipitar. A anidrita (CaSO4) e o gipso (CaSO4.2H2O) são sulfatos e se depositam após os carbonatos. Os cloretos ou sais solúveis, tipo halita (NaCl), silvita (KCl), carnalita (KMgCl3.6H2O), bischofita (MgCl2.6H2O) e taquidrita (CaCl2.2MgCl2.12H2O) se depositam por último, nessa ordem. Os sais solúveis são materiais geológicos atípicos, porque, mesmo quando submetidos a uma tensão desviadora constante, uma considerável deformação pode ser esperada como função desta componente de tensão, do tempo de exposição e das suas propriedades físicas. Tal comportamento é chamado creep ou fluência, e pode causar o fechamento do poço em curto prazo, isto é, durante a perfuração.
Porém, mesmo depois do poço revestido, essa fluência pode causar, em longo prazo, o colapso do revestimento devido aos esforços adicionais impostos por esse fechamento, caso ele não tenha sido dimensionado para isso. Tal efeito é mais pronunciado quando há geração de cargas pontuais devido, por exemplo, à falha na cimentação. Ou seja, deve-se considerar a fluência em toda a vida útil do projeto e não só na fase de perfuração. Apesar disso, nem todos os sais são problemáticos.
Quando o sal apresenta baixa mobilidade, passa a ser uma formação ideal para perfuração devido a ser homogêneo, ter baixa porosidade, elevado gradiente de
fratura e, em geral, apresentar uma boa taxa de penetração. No Golfo do México, aproximadamente 97% do sal perfurado é halita. Em alguns prospectos subsal
da área, em que a halita apresenta baixa taxa de fluência, as locações são escolhidas, de preferência, onde sua espessura é maior, já que só é necessário assentar um revestimento no topo e um na base da seção salina, em função das características descritas (Whitson e McFadyen, 2001). Porém, na perfuração de sais mais móveis (bischofita, carnalita e taquidrita), os problemas são multiplicados, quando comparados com outros tipos de sedimentos. Não é raro ser necessário o assentamento de mais de uma coluna de revestimento para
atravessar a seção. Uma das técnicas empregadas para controlar a fluência do sal é utilizar fluido de perfuração com o peso específico o mais elevado permitido, para esse tipo de perfuração. Contudo, isto não é garantia de estabilidade do poço, caso as intercalações de outras litologias estejam presentes na seção atravessada. Neste caso, deve-se considerar a possibilidade de induzir perdas de circulação nesses sedimentos, em geral, com menor gradiente de fratura. Adensar o fluido também torna o processo de perfuração mais lento, aumentando o tempo de exposição da formação e os problemas adversos associados. Além disso, a logística de preparo, tratamento e armazenamento do fluido aumentam o seu custo final.
Os desafios, entretanto, não se limitam somente à travessia do sal, mas também quando se perfura próximo a diápiros. Observa-se nas vizinhanças do diápiro,
devido à mobilidade do sal, não só uma mudança do mergulho das camadas, o que pode dificultar o controle da trajetória, como também uma alteração nas geopressões. Como resultado, o poço pode adquirir tendência de ganho de inclinação, mudança de direção, instabilidade ou pressão de poros anormal, dependendo da proximidade da sua trajetória ao diápiro. Do ponto de vista operacional, a principal característica dos evaporitos é sua mobilidade. Entretanto, eles têm outras propriedades que os diferenciam dos demais sedimentos, como será visto na seção seguinte.
Propriedades do sal
Devido à sua estrutura cristalina, os sais estão sujeitos ao fenômeno de fluência. Esse comportamento é influenciado sensivelmente pela espessura da camada,temperatura da formação, composição mineralógica, conteúdo de água, presença de impurezas e tensão desviadora aplicada ao corpo salino. Carbonatos e sulfatos são essencialmente imóveis. Os cloretos que contém água (bischofita, carnalita e taquidrita) apresentam as maiores taxas de fluência, movendo-se para dentro do poço assim que se estabelece a cavidade cilíndrica, enquanto que a halita, o sal mais comum da natureza, é menos móvel. Contudo, a halita pode apresentar taxas de fluência consideráveis, dependendo das condições a que está submetida. Na Bacia de Campos já foi constatada taxa de fechamento da ordem de 0,05 pol/hora – uma polegada em 20 horas (Amaral et al. 1999).
Uma curva típica de fluência dos evaporitos apresenta três estágios. A partir da aplicação da tensão desviatória, a taxa de deformação é muito alta. Esta deformação decresce ao longo do tempo até atingir uma taxa constante. Estes dois estágios são chamados de regime transiente e permanente de fluência ou fluência primária e secundária, respectivamente. O último estágio, chamado de fluência terciária, fica evidente pela aceleração da taxa de deformação, que causa a dilatação do arcabouço mineral da rocha pelo aumento do seu volume por meio de micro fraturas, resultando na ruptura do material.
Quando se refere genericamente a sal, subentendem-se os sais solúveis (halita, carnalita e taquidrita). Isso faz com que a ocorrência de camadas de taquidrita na trajetória do poço seja quase uma garantia de problemas durante a perfuração, caso medidas paliativas não estejam planejadas.
Além da fluência, os sais possuem outras propriedades que os diferenciam dos demais sedimentos. Eles são praticamente impermeáveis e apresentam resistência à fratura, superior à das outras formações. Assim, em uma seção homogênea não se espera perda de circulação. Os sais são solúveis na água, o que demanda o emprego de fluidos saturados durante a perfuração, e são praticamente incompressíveis, fazendo com que seu peso específico seja praticamente constante, independente da profundidade.
Os sais têm também alta condutividade térmica (duas a três vezes superior a dos outros sedimentos), o que faz com que o gradiente geotérmico numa seção de sal seja menor do que o das formações acima e abaixo dela.
Na indústria do petróleo, perfurar próximo ou através de sal vem sendo feito desde os primórdios desta atividade em diversas partes do mundo: Mar do Norte,
costa do Golfo do México, Mar Vermelho, Golfo Pérsico, Oeste da África, Brasil etc. O sal é um tipo de sedimento bastante peculiar, devido não só à variedade de seu comportamento, como também pelas diferentes formas com que pode ser encontrado, tais como: almofadas, diápiros, muralhas e até corpos isolados, formando o núcleo de corpos de outras rochas, os chamados rafts tectônicos ou jangadas. Em certas bacias, o sal também ocorre separado da camada-mãe (autóctone, que é a denominação que se dá ao sal que não sofreu deslocamento significativo em relação ao seu local original de deposição), formando línguas imersas de sal alóctone (sal que, devido à contínua movimentação, está longe do seu local original de deposição) acunhado nas seqüências sedimentares mais jovens (Mohriak, 2005).
Até o final da última década, as extensões atravessadas consistiam, em geral, de algumas centenas de metros. Porém, com o início da exploração subsal no Golfo do México, extensões de mais de 3.000 m de halita já foram atravessadas (Whitson e McFadyen, 2001).
A taxa de penetração nos sais solúveis é maior do que nos demais sedimentos. Esta é, inclusive, uma das técnicas empregadas durante a operação para se marcar o topo da seção, visto que há um aumento repentino da taxa quando a seção salina é penetrada. Contudo, a perfuração de sais com alta mobilidade apresenta grandes desafios do ponto de vista operacional. Os principais problemas são: fechamento do poço, torques elevados, repasses, prisão de coluna, desvios e colapso do revestimento, podendo levar até a perda do poço.
Diversas técnicas vêm sendo aplicadas para mitigar esse problema, com variado grau de sucesso. A utilização de fluido à base de água subsaturado com NaCl foi uma das primeiras técnicas empregadas, visto que, além da ação de corte provida pela broca, o fluido de perfuração ainda contribuía com uma parcela adicional associada à dissolução (Sheffield et al. 1983). Porém, quando os sais mais solúveis eram atravessados, ocorria uma significativa dissolução dessas camadas, resultando em verdadeiras cavernas no intervalo. Além disso, o caliper ao longo da seção ficava muito irregular, prejudicando o carreamento de cascalhos e provocando freqüentes prisões de coluna por má limpeza do anular. Por outro lado, quando em uma seção de halita ocorriam intercalações de anidrita, ou outra rocha insolúvel, havia uma tendência à formação de batentes na parede do poço. Tais batentes causavam irregularidades no caliper, dificultando posteriormente a descida de revestimento. Os impactos da coluna nestes batentes provocavam a queda de blocos grandes sobre o BHA (bottom hole assembly), causando prisão por acunhamento (Kishi, 2005).
A concentração de tensões, após o corte da seção de sal, também causava prisões na broca, sobretudo durante as conexões, obrigando a injetar tampões de
água doce para a sua liberação. Em alguns poços, a freqüência desses tampões era tal que, na prática, apresentava resultados semelhantes às seções perfuradas
com fluido não saturado, tornando os problemas mencionados ainda mais críticos.
No início da década de 80, com a evolução da tecnologia de fluidos, novas formulações foram colocadas no mercado. Entre elas destacamos os fluidos não aquosos. O primeiro desse tipo a ser utilizado foi o fluido à base de óleo diesel, isto é, uma emulsão de água em óleo, onde o óleo é a fase contínua, também conhecida como fluido de emulsão inversa. Essa inovação praticamente eliminava a dissolução do sal e melhorava a qualidade do caliper. Contudo, dependendo da taxa
de mobilidade, prisões de coluna ainda podiam ocorrer, visto que a broca tinha o mesmo diâmetro do poço e o fluido à base de óleo não contribuía com nenhum
alargamento adicional.
Com a evolução desse conceito, surgiu a broca bicêntrica, a qual também perfurava e alargava o poço, simultaneamente, com a vantagem de promover um
maior alargamento. Em seguida, era corrido o caliper e, a depender do diâmetro do poço, era descido o revestimento, passando o underreamer a servir como contingência.
No Brasil, as bacias marítimas incluem um importante intervalo estratigráfico de idade aptiana, no qual se têm atravessado evaporitos durante a perfuração.
Para se ter uma idéia dos desafios na perfuração de alguns desses evaporitos, cita-se um histórico da Bacia de Campos (Oliveira et al. 1985). Até 1985, foram perfurados 22 poços que atravessaram mais de 10 m de sais solúveis. Destes, 11 poços tiveram problemas associados ao fechamento, um teve o revestimento colapsado, três foram desviados e três foram perdidos, resultando em grandes custos operacionais.
O registro de outro poço executado em 1989, que perfurou 222 m de uma seqüência de halita e anidrita, mostrou que apesar de todos os cuidados tomados no planejamento, incluindo o uso de emulsão inversa e broca excêntrica, ocorreram oito prisões de coluna, gerando várias pescarias e um desvio de poço (Fartes, 1989).
Com a experiência adquirida na perfuração desses poços, observou-se que, iniciado o fechamento, devido à inércia, ficava mais difícil reverter o processo, mesmo
com o adensamento posterior do fluido. O adensamento do fluido às vezes não é possível, como quando a sapata do revestimento anterior estiver numa formação com gradiente de fratura menor. Verificou-se também que, depois de repassado o poço e removida a camada que fluiu em função da concentração de tensões logo que se perfura o sal, o fechamento seguinte era mais lento, permitindo avançar com certa segurança. Passou-se, então, a usar o seguinte procedimento (Kishi, 2005):
• saturar o fluido antes de atingir o sal para evitar arrombamento do poço;
• perfurar cerca de 3 m, suspender a coluna e repassar o intervalo;
• repetir o processo com maior ou menor freqüência, dependendo do comportamento observado;
• fazer manobra curta a cada seção perfurada, caso haja indícios de fechamento;
• concluída a perfuração, correr o perfil caliper e repassar os intervalos onde ocorrer fechamento mais intenso;
• decorrido algum tempo, correr outro perfil caliper para avaliar o fechamento e estimar o tempo disponível para a descida do revestimento e cimentação.
Em 1997 foi executado outro poço, aplicando esse procedimento, aliado a uma tecnologia mais moderna e à avaliação da taxa de fluência por meio de simulação
numérica. Foram atravessados 390 m de halita. O peso do fluido projetado, baseado na simulação, estabilizou o sal, e o intervalo foi atravessado sem problemas.
No ano seguinte, outro poço foi perfurado na mesma área, aplicando o mesmo procedimento. Contudo, devido à taxa de fluência nesse poço ter se mostrado
muito superior à do anterior, ocorreram diversos problemas operacionais. O intervalo de halita perfurado foi de somente 120 m. O fechamento no topo da camada
de sal (puro e cristalino) mostrou-se maior do que na base (argiloso e fino), gerando vários repasses e resultando em prisão da coluna. Os perfis caliper
ocorridos logo após a perfuração indicaram forte taxa de fechamento, da ordem de 0,05 pol/hora. A seção foi perfurada com broca de 12 1/4” e alargada para
14 3/4”, porém, em função do fechamento, teve que ser realargada para 15”. Após a descida do revestimento de 9 5/8”, cobrindo o sal, durante a perfuração da
fase de 8 1/2”, constatou-se o colapso desse revestimento, fato que causou prejuízos de milhões de dólares. Numa investigação posterior, concluiu-se que o
fenômeno responsável pela excessiva taxa de fluência foi a área estar submetida a um estado inicial de tensões com coeficiente de empuxo horizontal superior a
1,0 (Costa e Poiate, 2003), ou seja, a tensão horizontal era superior ao gradiente de overburden.
Devido a este insucesso, foi aberto um projeto na Petrobras para avaliar as propriedades mecânicas do sal do cenário apresentado e calibrar o modelo de fluência em uso. Diversos testemunhos de sal foram extraídos em poços terrestres na Bacia de Sergipe/Alagoas, cujos sais são geologicamente similares aos da área em estudo, e realizada uma extensa campanha de ensaios triaxiais de fluência no laboratório construído pela Petrobras no Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT-SP). Com os resultados deste estudo, juntamente com a aplicação de novas tecnologias e a utilização de procedimentos operacionais elaborados especificamente para cada poço, (baseado na experiência anterior), mais três poços foram projetados e executados em áreas com 203, 568 e 744 m de espessura de sal. Foi utilizado fluido sintético em todos os poços e, em cada um deles, o peso específico foi determinado por meio de simulação numérica, e
já utilizando as propriedades dos sais da seção litológica, obtidas por meio de ensaios realizados no âmbito do projeto. Todos eles foram perfurados e os revestimentos descidos sem ocorrência de fechamento ou ameaça de prisão (Costa et al. 2005).
Até 2006, a máxima espessura de sal atravessada na Bacia do Espírito Santo foi de 364 m. Poços em terra também atravessam algumas centenas de metros de sal na Bacia de Sergipe/Alagoas e do Solimões. Na Bacia de Santos já se atingiu 1.933 m, anteriormente era 848 m. Com o início da exploração dos prospectos subsal nos blocos de águas profundas, camadas mais espessas são esperadas.
Ilo Jorge
É Especialista em Petróleo e Gás Natural
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