sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Gás: GLP VERSUS GNV

1. O Gás - A Matéria Prima

O gás natural como matéria prima ou insumo é utilizado em quatro conjuntos principais de processos: a alimentação direta (combustão e potência), a siderurgia, a produção de combustíveis sintéticos e a produção de gasoquímicos. O enfoque de valorização do insumo gás natural é diferenciado em cada uma destas vias principais.

A primeira via caracteriza o gás natural como um combustível para atendimento térmico direto residencial, comercial ou industrial, para geração de potência de acionamento em termelétricas ou processos industriais e como carburante para o transporte, proporcionando a menor valorização possível.

A segunda via, que exige menor investimento inicial, quando comparada às seguintes, e resulta em menor valorização do insumo é, por exemplo, a aplicação siderúrgica, onde o gás natural é usado como redutor siderúrgico no processamento de minérios.

A terceira via necessita de investimento maiores e agrega mais valor ao insumo, utilizando o gás natural como matéria prima básica de processos de produção de combustíveis sintéticos como gasolina, nafta, querosene, gasóleo, óleos lubrificantes, óleo diesel, parafina e outros.

A quarta via, que requer investimentos de magnitude bastante elevada e valoriza o insumo gás natural de forma específica é a produção de gasoquímicos, que são a base da indústria moderna. Gasoquímica é a produção de petroquímicos à partir do gás natural que se diferencia da produção tradicional a partir de derivados do petróleo pelo insumo básico e por inúmeras vantagens, em particular a redução expressiva de impactos ambientais. Os produtos são os mesmos, eteno, propeno, buteno, polímeros(polietileno e polipropileno), matéria prima na fabricação de fibras sintéticas, borrachas sintéticas, plásticos, revestimentos, química automotiva, produtos nitrogenados, detergentes e outros.

1.1 Métodos Básicos de Conversão

Variados são os métodos de conversão aplicáveis ao gás natural para quebrar ou rearranjar as moléculas de seus principais componentes: metano, etano, propano e butano. Incluem-se entre estes métodos processos térmicos, elétricos, catalíticos e fotossintéticos com ou sem adição de elementos como o oxigênio, o cloro ou o nitrogênio, entre outros.

O metano (CH4), principal componente do gás natural, tem um elevado equilíbrio molecular devido à sua distribuição e geometria e, portanto é o hidrocarboneto mais difícil de quebrar o “craquear”.

Estão apresentados a seguir alguns processos básicos aplicados direta ou indiretamente na conversão do gás natural em matéria prima básica da indústria química.

1.1.1 Decomposição – Térmica, Catalítica e Elétrica

É a divisão da molécula do hidrocarboneto em partes menores ou em carbono e hidrogênio dissociados, através de aquecimento (pirólise), aquecimento com efeito adicional de catalisadores ou de descargas elétricas.

1.1.2 Oxidação – Térmica ou Catalítica

É a reação da molécula do hidrocarboneto com oxigênio, ar atmosférico ou oxigênio aditivado, ativada por calor o catálise, na qual o oxigênio é introduzido na molécula do hidrocarboneto ou a molécula é transformada em monóxido de carbono e hidrogênio, dióxido de carbono e hidrogênio ou dióxido de carbono e água.

1.1.3 Halogenação – Térmica, Catalítica ou Fotolítica

É a reação da molécula do hidrocarboneto com um halogênio – flúor (F2), cloro (Cl2), bromo (Br2) ou iodo (I2), ativada por calor, catálise ou luz, onde um ou mais átomos do halogênio substituem um número equivalente de átomos de hidrogênio.

1.1.4 Nitrogenação – Térmica ou Fase Vapor

É a reação da molécula do hidrocarboneto com ácido nítrico (HNO3), acelerada por calor e pressão onde uma molécula de dióxido de nitrogênio (NO2) substitui o átomo de hidrogênio.

1.1.5 Sulfuração

É a reação da molécula do hidrocarboneto com enxofre (S) ou sulfito de hidrogênio (H2S) para formar compostos sulfurados tais como sulfitos orgânicos, mercaptans e disulfitos.

1.1.6 Desulfuração – Catalítica

Remoção do átomo de enxofre de moléculas hidrogênio-carbono-enxofre para produzir moléculas livres de enxofre ativada através de catálise e fornecimento de calor.

1.1.7 Hidrogenação – Termo-catalítica ou Catalítica

É a adição de átomos de hidrogênio (H2) à molécula do hidrocarboneto, ativada por calor e catálise ou apenas catálise, para produzir uma ou mais molécula saturadas (rica em hidrogênio). A hidrogenação é chamada destrutiva quando a molécula original do hidrocarboneto é quebrada para formar mais de uma molécula hidrogenada menor ou, não destrutiva quando a quebra da molécula original não ocorre e o hidrogênio é apenas adicionado.

1.1.8 De-hidrogenação – Térmica ou Catalítica

É uma forma de decomposição controlada onde átomos de hidrogênio são removidos da molécula original do hidrocarboneto para formar uma molécula menos saturada ou insaturada. A de-hidrogenação é chamada destrutiva quando a molécula original do hidrocarboneto é quebrada para formar mais de uma molécula menor ou, não destrutiva quando não ocorre quebra de ligação carbono-carbono.

1.1.9 Alkylation – Térmica ou Catalítica

É a união química de um radical ALKYL e uma molécula de hidrocarboneto, usada em particular para realizar a combinação de uma olefina e uma iso-parafina ou aromática em condições de elevada temperatura ou na presença de catalisadores.

1.1.10 Polimerização – Térmica ou Catalítica

É a combinação de pequenas moléculas ou monômeros em cadeias moleculares ou polímeros de grande peso molecular. A polimerização é chamada seletiva quando agrupa as moléculas sem alterar sua composição inicial básica e não seletiva quando forma compostos cuja composição é diferente da original.

1.1.11 Isomerização – Térmica ou Catalítica

É a transformação da estrutura molecular de um hidrocarboneto sem modificar sua composição empírica ou seu peso molecular.

1.1.12 Aromatização ou Ciclização– Térmica ou Catalítica

É a conversão de moléculas de hidrocarbonetos parafínicos ou olefínicos em moléculas cíclicas ou aromáticas. É acompanhado por de-hidrogenação e polimerização prévia em alguns casos, quando a matéria prima é um hidrocarboneto gasoso.

1.1.13 Síntese de Hidrocarbonetos

Formação de hidrocarbonetos a partir de materiais orgânicos ou inorgânicos idênticos aos produzidos à partir do petróleo através de processos sintéticos.


1.2. Aplicações

1.2.1 Gás Liqüefeito de Petróleo (GLP) e Gasolina Natural

Como se sabe, o gás natural proveniente de poços em alta pressão devem passar por separadores que efetuam a remoção de impurezas e hidrocarbonetos condensados. Muitos gases naturais contém quantidade suficiente de octano (C8H18), butano (C4H10) e propano (C3H8) que garantem a instalação de uma planta para produção de GLP e Gasolina Natural. Estes produtos oriundos do gás natural são de qualidade superior ao resultante dos processos de refino do petróleo.

Considerando que em uma refinaria só é possível extrair do petróleo, no máximo 8 % de GLP, a produção deste combustível a partir do gás natural pode atingir proporções significativas do mercado, sendo mais importante ressaltar a íntima relação entre o crescimento da produção de gás natural e a produção de GLP, demonstrando de forma definitiva que estes não são combustíveis concorrentes e que a economicidade da cadeia produtiva do gás natural é dependente da comercialização do GLP.

1.2.2 Siderurgia

O gás natural é aplicado na siderurgia principalmente como redutor na fabricação de ferro esponja. Este processo de produção de ferro esponja, matéria prima rica em ferro e carbono utilizada para a produção de aço, teve ampliação da aplicação devido ao aumento das fontes de gases redutores e às exigências de mercado por produtos de maior qualidade.

No processo de redução direta o óxido de ferro (Fe2O3), em pelotas ou pedaços, é convertido em ferro de alta pureza através da sua reação com o Hidrogênio e o Monóxido de Carbono, como pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1 – Processo Químico de Redução do Óxido de Ferro
Redução Carbonização Reforma
Fe2O3 + 3H2 => 2Fe + 3H2O 3Fe + 2CO=>Fe3C + CO2 CH4 + CO2 => 2CO + 2H2
Fe2O3 + 3CO => 2Fe + 3CO2 3Fe + CH4 => Fe3C + 2H2 CH4 + H20 => CO + 3 H2

O minério é introduzido em um reator onde, numa zona de redução, é aquecido e o oxigênio removido e substituído pelo carbono contido no contrafluxo de gás de redução contendo hidrogênio e monóxido de cabono.

Na zona de resfriamento, o gás em contrafluxo resfria o ferro e eleva seu teor de carbono, o processo de carbonização, chegando à índices de 3 a 4 % de teor de carbono.

O gás de redução é gerado a partir de uma mistura de gás natural e gás reciclado oriundo do reator, como pode ser visto na Figura 2. Esta mistura é quimicamente convertida em uma mistura de 90 à 92 % de Hidrogênio e Monóxido de Carbono em um conversor catalítico

A tecnologia de produção de ferro esponja com redução usando gás natural como combustível é o processo energeticamente mais eficiente e a MIDREX, empresa detentora desta é a líder mundial em produção, servindo de referência para o setor.

O consumo médio de gás natural por tonelada de ferro esponja produzido é 250 Nm3. Considerando que dos 39 milhões de toneladas produzidas no ano de 1999, 67 % aplicaram este processo, o consumo de gás natural para fins siderúrgicos foi da ordem de 6,5 bilhões de Nm3.

1.2.3 Petroquímicos

Dentro da perspectiva de valorização do gás natural superior à seu uso como combustível está o seu uso como matéria-prima de substituição na petroquímica e alcoolquímica.

Vários produtos químicos intermediários podem ser sintetizados, direta ou indiretamente, a partir das transformações do metano, chamada também de Química do C1. De uma maneira geral é possível dividir estes produtos em três categorias:

• Derivados diretos do metano ou de primeira geração, principalmente os clorados e o ácido cianídrico;

• Derivados de segunda e terceira gerações, principalmente baseados nos gases de síntese (metanol e amônia), os álcoois oxo, acrilatos, fosfogeno, acetaldeído, ácido acético, etileno glicol e acetato de vinila;

• Derivados de gerações superiores, que têm como origem os produtos dos dois grupos citados;

1.2.3.1 Gases de Síntese

Os hidrocarbonetos do gás natural são colocados a reagir com vapor em presença de catalisadores e a altas temperaturas para produção de hidrogênio(H2), carbono(C) e óxidos de carbono(COx). A utilização de outros catalisadores permite a conversão completa dos hidrocarbonetos em óxidos de carbono e hidrogênio. A altas temperaturas este processo pode ser realizado com oxigênio sem a adição de catalizadores.

As misturas de hidrogênio e óxidos de carbono são chamadas gases de síntese e se aplicam em diversos processos.

1.2.3.2 Misturas Hidrogênio e Monóxido de Carbono

O gás de síntese resultante da reação entre vapor e hidrocarbonetos do gás natural é uma mistura de hidrogênio, monóxido de carbono, dióxido de carbono e metano. A partir deste gás se produz uma mistura composta apenas por hidrogênio e monóxido de carbono com diferentes composições adequadas às várias operações de síntese como a produção de metanol, álcoois Oxo e aplicação no processo Fischer-Tropsch[1].

1.2.3.3 Hidrogênio

Há elevada demanda de hidrogênio para o processos de hidrogenação de produtos do petróleo, da petroquímica, da química e da indústria alimentícia. A produção de hidrogênio à partir do gás natural se realiza através de processos de oxidação parcial ou reforma por vapor que resultam em misturas de hidrogênio e óxidos de carbono. A partir deste gás de síntese os óxidos de carbono são removidos e o gás rico em hidrogênio é resfriado à baixas temperaturas e sua purificação realizada por fracionamento. O processo final de liquefação do hidrogênio ocorre a temperatura inferior a 230 ºC.

A produção de hidrogênio de elevada pureza à partir do gás natural exige um circuito de produção com etapas de purificação e limpeza do gás, produção de hidrogênio, purificação do hidrogênio, reativação por aminas e a compressão e armazenagem do hidrogênio puro.

1.2.3.4 Amônia Sintética e seus Produtos

A produção de amônia sintética pode ser realizada utilizando-se gás natural como fonte de hidrogênio, uma vez que aquele possui uma percentagem relativamente grande deste, uma vantagem no processo da amônia.

Aproximadamente metade do gás natural utilizado se destina ao processo em si e como combustível de acionamento de compressores de refrigeração. O restante se destina à caldeira e como gás de reforma. O total consumido é de aproximadamente 900 Nm3 por tonelada de amônia produzida.

O gás natural é inicialmente transformado em gás d síntese e posteriormente, numa seqüência de tratamentos térmicos, elevação de pressão, trocas químicas e catalíticas a mistura contém apenas hidrogênio, nitrogênio e traços de metano, argônio e outros inerte, sendo então processado e transformado em amônia (NH3).

Em processamento adicional amônia é convertida em uréia e outros fertilizantes.

1.2.3.5 Metanol

A partir de um gás de síntese, oriundo dos hidrocarbonetos do gás natural, com composição de 2 (duas) partes de hidrogênio para 1 (uma) parte de monóxido de carbono, estes são combinados para a formação do metanol em presença de vapor d’água, à pressão de 35 MPa e 400 ºC.

O metanol ou álcool metílico (CH3OH) é utilizado para diversas finalidades na indústria química como fabricação de formal-formaldeídos para matérias plásticas, filmes e poliésteres e solventes diversos, ácido acético e metil terciário butil éter (MTBE) ou como combustível. Sua obtenção à partir do gás natural é fácil, em processos de baixa pressão e fabricação mais econômica em comparação à outras matérias primas.

O metanol oferece risco de explosão, apresenta elevada agressividade ao alumínio e certas matéria plásticas e seu vapor é tóxico, sendo a concentração acima de 220 ppm/m3 de ar suficiente para causar distúrbios digestivos e da visão.

Como combustível pode ser empregado misturando-se à gasolina numa proporção de 10 % de metanol e 10 % de etanol para veículos auto motores, em células combustíveis ou em turbinas a gás.

No Brasil o metanol não apresenta nenhuma vantagem comparado ao álcool de cana de açúcar, que tem um poder calorífico de 27,2 MJ/kg e não oferece riscos.

1.2.3.6 Eteno e Derivados Superiores

O eteno e o propeno ocupam o primeiro lugar em importância como matéria-prima da indústria química. Sua produção comercial é tradicionalmente obtida por recuperação dos gases de refinaria de petróleo, craqueamento térmico de hidrocarbonetos leves, principalmente etano e propano, ou uma combinação destes dois processos.

A recuperação do eteno é geralmente realizada em processos de fracionamento e absorção a baixa temperatura e pressões de moderadas a altas.

A tecnologia de conversão do gás natural em olefinas, conhecida como GTO (Gas to Olefins) está baseada em um processo de conversão de metanol em olefinas, principalmente eteno e propeno e também o buteno, conhecido como MTO (Methanol to Olefins).

Como insumo o gás natural é primeiramente convertido em metanol, através da produção dos gases de síntese.

No processo MTO o metanol é convertido de forma controlada em uma peneira molecular sintética porosa composta por óxidos de silicone, alumínio e fósforo. Estes materiais são combinados com outros componentes catalisadores para converter o metanol seletivamente em olefinas leves.

Assim, o processo GTO é uma combinação da produção de gás de síntese, produção de metanol e conversão do metanol em olefinas.

O processo MTO apresenta uma eficiência global de 80 %, com base no metanol utilizado, e permite uma produção de eteno e propeno em proporções que variam de 0,75:1 a 1,5: 1, modificando as condições do reator, visto na Figura 5. Estas características demonstram um processo de elevada rendimento com suficiente flexibilidade para atender às oscilações de demanda do mercado.

O princípio fundamental que orienta todos os processos de quebra de hidrocarbonetos para a produção de acetileno se baseia na rápida elevação da temperatura do gás até os valores de processo e na obtenção do produto após um curto período de reação.

As reações químicas de produção do acetileno (C2H2) a partir de hidrocarbonetos são endotérmicas e três métodos podem ser utilizados para fornecer o calor: arco elétrico ou centelha, calor de combustíveis auxiliares ou combustão parcial da mistura gás oxigênio de alimentação do processo.

1.2.3.8 Químicos Diversos

Uma variedade de outros produtos químicos podem ser produzidos tendo o gás natural como insumo, tais como carvão negro, químicos aromáticos como benzeno, tolueno e xileno, ácido clorídrico e disulfito de carbono.

A Tabela 2 apresenta uma lista de produtos químicos derivados do metano, direta ou indiretamente, separados por sua geração de processamento.
Tabela 2 – Produtos Químicos Derivados do Metano

Fonte: 2o. Seminário Internacional: “Gás Natural – Energia e Matéria Prima” 1988
1.2.4 Combustíveis Sintéticos

A principal referência para a importância dos combustíveis sintéticos hidrocarbonetos líquidos derivados do gás natural é a produção de combustíveis automotivos de rótulo Premiun.

A qualidade superior em termos do desempenho e emissões da gasolina, diesel e querosene, entre outros combustíveis líquidos produzidos a partir do gás natural através do processo Fisher-Tropsch é o diferencial dos processos GTL (Gas to Liquid).

A transformação direta do metano e líquidos combustíveis (hidrocarbonetos pesados) é um processo muito difícil de realizar, complexo e oneroso, e por isso as tecnologias desenvolvidas efetuam o processo de forma indireta.

Neste processo o gás natural é convertido em gás de síntese num processo de oxidação e reforma com vapor numa primeira etapa. A seguir, o gás de síntese é processado em um reator Fischer-Tropsch com catalisadores como cobalto e ferro. O processo seguinte é a hidroizomerização, adição de hidrogênio e arranjo da estrutura molecular do hidrocarboneto.
O processo GTL é apresentado na Figura 6 abaixo.

Ilo Jorge
É especialista em Petróleo e Gás Natural

Nenhum comentário:

Postar um comentário