Uma nova onda de liminares ligadas à produção de petróleo e gás natural começou no Brasil. As ações são movidas por municípios, sobretudo no Nordeste, que entram na Justiça para receber parte dos royalties da produção de petróleo e gás distribuídos mensalmente pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Só em outubro a ANP pagou R$ 13,6 milhões em royalties a 33 municípios que conseguiram liminares na Justiça com o argumento que possuem instalações marítimas e/ou terrestres de embarque e desembarque de petróleo ou gás natural. Destes, 25 ganharam a liminar com o argumento de que possuem uma "city gate" (estação de transferência de gás), e outros porque possuem gasoduto ou parques de tancagem.
O montante pago representa 6% dos R$ 230 milhões pagos neste mês aos cerca de 900 municípios que receberam royalties no país. Desde 2002, quando surgiram as primeiras ações judiciais do gênero, até outubro de 2007 a ANP pagou cerca de R$ 380 milhões em royalties para municípios amparados em liminares. O entendimento técnico da ANP é de que este pagamento é indevido. Dos 33 que ganharam liminares, 19 nunca receberam royalties antes de 2002 - quando os critérios definidos em lei passaram a ser adotados para o pagamento dos royalties.
A discussão provocou uma batalha jurídica na qual a cada mês surgem novas liminares de municípios e a ANP, por meio de procuradores federais dos quadros da Advocacia Geral da União (AGU), tenta cassar decisões concedidas pelos tribunais nos Estados. Em setembro, havia 31 municípios com liminares. Um mês depois o número passou para 33. Entraram na lista Bayeux (PB), São Gonçalo do Amarante (RN) e Estancia (SE). A ANP conseguiu tirar da lista Santo Amaro das Brotas, no Sergipe.
A discussão entre a agência e os municípios tem origem na regulamentação da lei do petróleo (de 1997) por meio da portaria ANP 29, de 2001. A portaria estabeleceu os critérios a serem adotados, a partir de 1º de janeiro de 2002, para a distribuição aos municípios do percentual de 7,5% sobre a parcela dos royalties que exceder a 5% da produção de petróleo ou gás natural de cada campo. Segundo a portaria, a distribuição tem ser feita aos municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo ou gás natural.
Antes, os pagamentos eram feitos pela Petrobras e os critérios não estavam definidos em lei. Vários municípios que vinham recebendo royalties antes de 2002 e perderam o direito a estes recursos com a portaria 29, foram para Justiça tentar reaver o pagamento. A maioria destes municípios recebia royalties por terem "city gates".
Para a ANP, contudo, o que determinou a redução no número de municípios com instalações de embarque e desembarque aptos a receber os royalties não foi a portaria 29, mas o decreto 1/91 que regulamenta o pagamento da compensação financeira pelo resultado da exploração de petróleo ou gás natural instituída para Estados, Distrito Federal e municípios pela lei 7.990/89.
No artigo 19, parágrafo único, o decreto 1/91 diz que consideram-se instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de petróleo ou gás natural, as monobóias, os quadros de bóias múltiplas, os píeres de atracação, os cais acostáveis e as estações terrestres coletoras de campos produtores e de transferência de óleo bruto ou gás natural. Com base neste argumento, a ANP vem tentando cassar as liminares de municípios que querem receber royalties por possuírem como instalações "city gates", gasodutos, refinarias e parques de tancagem que não estejam ligados diretamente à produção de óleo e gás.
"Quanto mais municípios (recebendo royalties), menos dinheiro cada um vai ganhar", diz Victor de Souza Martins, diretor da ANP. A distribuição dos royalties, antes feita pela Petrobras, foi assumida pela ANP a partir de 6 agosto de 1998, quando foram assinados os primeiros contratos de concessão entre a agência e a estatal.
Recentemente, Martins reconheceu, em um ato público da ANP, que a agência está preocupada com o que pode ser uma "nova indústria de liminares". Só este ano foram concedidas 17 liminares - em 2006, foram quatro. Das 33 liminares, 26 delas são de seis Estados do Nordeste.
Ricardo Sampaio, procurador do Recife, reclama que a ANP está pagando uma quantia inferior à depositada até 2002. " Naquela época, ganhávamos cerca de R$ 150 mil por mês. Agora, temos R$ 50 mil, sendo que municípios vizinhos menores recebem mais do que isso " , diz ele. A disputa em relação aos valores está na Justiça. O argumento que Recife utilizou foi que a ANP não tem poderes para modificar a lei por meio de uma portaria, por isso o gasoduto que a cidade possui daria o direito a receber os valores. " A questão é se a agência tem poderes para afrontar a lei " , diz Sampaio.
Antônio Ricardo Accioly Campos, advogado de Vitória de Santo Antão e Jaboatão dos Guararapes, municípios pernambucanos amparados por liminares, é enfático: "Nesses casos, estamos apenas restabelecendo um direito", afirma.
O Valor teve acesso a quatro processos de vários municípios do Nordeste que entraram com liminares para receber royalties. Em geral, o argumento que os municípios usam é que a ANP não pode legislar. E, portanto, a portaria ANP 29, que regulamentou a lei do petróleo de 1997, não pode se opor à lei 7.990, de 1989, que estabeleceu o pagamento de royalties. Esse argumento tem sido aceito. O desembargador Marcelo Navarro, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, afirma no processo do município de Rosário do Catete, de Sergipe, que conseguiu a liminar: "À primeira vista a agência não teria competência para extrapolar o conceito descritivo de uma instalação terrestre de embarque e desembarque " . Com base no argumento, ele concedeu a tutela.
A briga jurídica entre a ANP e os municípios pode ter novas nuances, pois a agência agora alterou os critérios de distribuição dos royalties, o que fez o valor pago aos municípios com liminares cair, de R$ 15,7 milhões, em setembro, para 13,6 milhões, em outubro. Pela nova metodologia, municípios com liminares passaram a receber, em outubro, menos royalties do que recebiam pela fórmula antiga. Em contrapartida, os outros municípios passam a receber mais.
Em outubro, cada um dos 17 municípios que possui instalações de embarque e desembarque para movimentar petróleo e gás natural de origem marítima, de acordo com o definido na lei de 1989 e no decreto que a regulamentou (de 1991), recebeu R$ 1 milhão em royalties da ANP (o montante seria de R$ 784,2 mil para cada um pela fórmula antiga). Já o grupo de municípios apoiados em liminares recebeu, no mês, R$ 459 mil cada um - R$ 605 mil pelo critério anterior.
Os royalties pagos sobre o petróleo e o gás produzidos em mar são significativos porque 85% da produção petrolífera brasileira tem origem lá. "Há zelo da agência em atender as decisões judiciais e a metodologia aplicada também explicita o ponto de vista técnico da ANP sobre o que é a correta aplicação da lei", diz Martins, da ANP.
Royalty do petróleo abre 'guerra' entre municípios
Por meio de liminares, um grupo de 33 municípios ganhou na Justiça o direito a 6% do total de royalties pagos pela produção de petróleo e gás no Brasil. Esse montante somou R$ 13,6 milhões em outubro. Os municípios conseguiram as liminares com o argumento de que possuem instalações marítimas e/ou terrestres de embarque e desembarque de petróleo ou gás natural. Neste mês, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) pagou um total R$ 230 milhões em royalties para cerca de 900 municípios.
As ações tentam derrubar a interpretação da agência, responsável pelos pagamentos desde 1998, de que as instalações dessas cidades - estações de distribuição de gás, gasodutos ou tanques de armazenagem - não se enquadram entre as definidas na legislação como as passíveis de recebimento dos recursos.
A discussão entre a agência e os municípios tem origem na regulamentação da lei do petróleo e na transferência da gestão do pagamento dos royalties, antes feito pela Petrobras. Em uma primeira fase, a ANP manteve os critérios da estatal, mas a partir de 2002, com a regulamentação da lei do petróleo pela portaria ANP 29, vários municípios que recebiam royalties perderam o direito aos recursos. O argumento que sustenta as liminares é de que a agência não tem poderes para modificar a lei por meio de uma portaria. "A questão é se a agência tem poderes para afrontar a lei", diz Ricardo Sampaio, procurador do município do Recife, uma das cidades beneficiadas. Para a ANP, um decreto de 1991 ampara suas decisões.
"Quanto mais municípios recebendo, menos dinheiro cada um vai ganhar", diz Victor de Souza Martins, diretor da agência. E, de fato, a disputa com a ANP levou a um embate entre os próprios municípios interessados. Aqueles que já recebiam os pagamentos antes da onda de liminares não querem dividir o bolo com os recém-beneficiados. Nessa disputa, a Associação Brasileira dos Municípios com Terminais Marítimos, Fluviais e Terrestres de Petróleo e Gás Natural (Abramt), formada por 19 cidades, decidiu apoiar seus integrantes, que também estão ingressando na Justiça para tentar reverter as decisões que concederam os pagamentos.
Guerra de liminares gera divisão entre municípios
A disputa entre a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e as cidades em relação ao direito de ganhar royalties está gerando um embate entre os próprios municípios. Aqueles que recebiam os pagamentos antes da onda de liminares não querem dividir os recursos dos royalties com os novatos.
Nessa briga, a Associação Brasileira dos Municípios com Terminais Marítimos, Fluviais e Terrestres de Petróleo e Gás Natural (Abramt), formada por 19 cidades que recebem royalties, decidiu dar munição a seus integrantes. Eles também entram na Justiça para tentar reverter as decisões liminares de concessão de pagamentos pela ANP.
"A Justiça desconhece tecnicamente o problema e mesmo assim está concedendo a tutela antecipada. Queremos parar com essa indústria de liminares. Os juízes estão esquecendo que retiram o direito de outros municípios de receberem os devidos valores", afirma Juan Garcia, presidente da Abramt e prefeito de São Sebastião (SP).
De acordo com a Abramt, existem hoje em todo o país cerca de 80 processos de municípios requerendo royalties. Pelos cálculos da associação, só em junho, cada uma das 19 cidades integrantes da Abramt deixou de receber R$ 835,7 mil por causa das liminares.
Para tentar recuperar sua receita, Fortaleza decidiu entrar na Justiça para pedir que a concessão de liminar ao município cearense de Maracanaú seja revista. No processo, que corre no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Fortaleza alega que Maracanaú possui um "city gate", por isso não possui direito a obter o pagamento. "(A liminar) afeta de forma direta o montante do repasse a ser auferido pelos municípios legalmente habilitados", diz a capital cearense no processo.
Fortaleza mostra que houve redução no seu recebimento de royalties de cerca de 80% de janeiro a maio deste ano na comparação com igual período de 2006. Nos primeiros cinco meses de 2007, o repasse foi de R$ 525,8 mil. Em 2006 todo havia sido de R$ 2,6 milhões, 35% abaixo do recebido em 2005. "Tal decréscimo é decorrente das inúmeras decisões liminares deferidas em todo o país, que incluíram municípios possuidores de city gates", diz o município.
"Muitas cidades nunca tinham recebido royalties e agora entram na maré", diz a procuradora Suzana Ribeiro Machado. Para ela, ainda caberá muita discussão em torno do tema por sua complexidade. O maior problema no caso da antecipação da tutela, diz, é a futura capacidade de os municípios devolverem os recursos que receberam, caso a decisão final seja contrária a eles. "A matéria deve parar no STJ. Será que as cidades poderão devolver um dia todo o dinheiro que receberam?", pergunta.
Quem passou a receber os royalties agora tem outros argumentos. Antônio Ricardo Accioly Campos, advogado de Vitória de Santo Antão e Jaboatão dos Guararapes, municípios pernambucanos amparados por liminares, é enfático: "Nesses casos, estamos apenas restabelecendo um direito", afirma. "Para conceder o pagamento, o Tribunal Regional Federal considerou que uma portaria não pode alterar uma lei", diz.
Os dois municípios possuem "city gates". O caso volta agora para a primeira instância da Justiça, que inicialmente havia negado a tutela antecipada. "Acho difícil que os juízes não sigam a decisão de uma instância superior."
Para São Lourenço da Mata, verba representa 15% da receita
Logo na entrada de São Lourenço da Mata, município da região metropolitana do Recife, já se avista uma obra realizada com os recursos recebidos dos royalties. É uma estátua de São Lourenço Mártir, padroeiro da cidade, acompanhado de um pórtico. Já dentro da cidade, notam-se diversos outros canteiros de obra que surgiram com o dinheiro da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Em um deles está sendo erguido novo pátio de eventos para a cidade. "Deve ficar pronto no começo do ano. A idéia do prefeito é chamar a dupla Zezé di Camargo e Luciano para a inauguração", diz Ricardo Torres, procurador de São Lourenço, escalado pela prefeitura como porta-voz para a entrevista. A construção do pátio e a desapropriação de terrenos foram pagas com o dinheiro vindo da agência.
A praça do Canhão, na região central da cidade, também está sendo ampliada e reformada graças à liminar contra a ANP. Em breve, uma ponte que dá acesso a um bairro bastante populoso da cidade será duplicada com a nova receita municipal.
Os canteiros estão por todo canto da cidade. "Por falta de estrutura na cidade, o prefeito deu preferência a empregar o dinheiro em obras. Conforme Recife for se expandindo, ele estima que São Lourenço seja o município da região com maior potencial de crescimento", explica Torres. Jairo Pereira de Oliveira (PMDB) está em seu segundo mandato no município e já faz planos para tentar se eleger, em 2008, prefeito de Camaragibe, cidade vizinha.
Em alguns indicadores, São Lourenço ainda está bastante distante do Recife. O PIB per capita de seus habitantes é de R$ 3.345, contra R$ 9.063 dos recifenses, segundo o IBGE. Cerca de 32% da população ganha menos de um salário mínimo, enquanto no Recife esse patamar é de 23,4%. Na educação, a taxa de analfabetismo entre as crianças de 10 a 14 anos é de 15,9%, ante 7,5% do Recife. Na área de saúde, a cidade de 95,2 mil habitantes conta só com um hospital.
De acordo com o procurador, São Lourenço recebeu até agora R$ 3,5 milhões em royalties. São cerca de R$ 500 mil por mês, o que representa 15% da receita do município. Metade dos recursos já foi investida. Desse montante, metade foi para obras, como as desapropriações e obras do pátio de eventos e a praça do Canhão. O restante, segundo o procurador, foi usado para comprar remédios e material para as escolas, fazer a manutenção do hospital e melhorar o serviço de lixo.
"Saúde e educação já contam com uma parcela obrigatória dos recursos constitucionais. Por isso o dinheiro dos royalties também está sendo aplicado em outras áreas", diz o procurador. "Muitas vezes chega o fim do ano e o município não conseguiu investir tudo." Em breve, entretanto, o hospital municipal, o Petrolina Campos, será reformado com o dinheiro vindo da ANP.
O receio de Torres é que, em instâncias superiores da Justiça, decida-se pela não concessão dos royalties. "O município iria parar sem esse dinheiro."
Por lei, os municípios podem usar a verba dos royalties da forma como preferirem. Só fica proibida a aplicação do dinheiro para pagamento de dívidas (exceto se forem com a União) e do quadro permanente de pessoal.
Esta última reportagem de Valor Econômico foi citada a propósito, pensando que poderá ser de grande utilidade principalmente aos Prefeitos de Pernambuco. Vamos buscar ensinamento na contabilidade pública praticada em nosso País e rever os conceitos de Receitas e Despesas Públicas.
Receitas Públicas
São todos os ingressos de caráter não devolutivo auferidos pelo poder público, em qualquer esfera e governo, para a alocação e cobertura das despesas públicas. Dessa forma todo ingresso orçamentário constitui uma receita pública, pois tem como finalidade atender as despesas públicas contraídas, é o que determina a Lei Federal nº 4.320/64, classificando-as em:
- Orçamentária;
- Extra-Orçamentária.
É importante recapitular – o royalty mesmo que sob efeito de “Liminar” pode ser previsível, quando definido na Lei Orçamentária Anual – LOA, em caso contrário, trata-se de uma receita extra-orçamentária. O Art. 11, da Lei nº 4.320/64, classifica as receitas em duas categorias:
- Receitas Correntes;
- Receitas de Capital.
O que na verdade nos interessa são as receitas de capital, e é necessário relembrar que os royalties recebidos da ANP, se constituem em receitas de capital, segundo § 2º do Art. 11, da Lei Federal nº 4.320/64, “§ 2º. São receitas de capital as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos de constituição de dívidas; da conversão, em espécie, de bens e direitos, os recursos recebidos de despesas classificáveis em despesas de capital e, ainda, o superávit do orçamento”.
Do exposto chegamos a conclusão, que receita de capital, implica em despesas de capital, e reciprocamente. Analisando a legislação pertinente no tocante a matéria, a receita de capital deve ser aplicada em intervenções de infra-estrutura da cidade. Logo os recursos recebidos dos royalties são carimbados, não pode ser aplicado em outra finalidade, se não àquela. Se aplicado de forma diferente pode acarretar na rejeição das contas municipais, e em medidas administrativas ou judiciais, por recomendação dos Tribunais de Contas dos Estados e da União.
E, ainda consoante o estabelecido no Art. 24, do Decreto nº 01, de 11 de janeiro de 1991, “Os estados e os Municípios deverão aplicar os recursos previstos neste Capítulo, exclusivamente em energia, pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente e em saneamento básico”.
Ilo Jorge
É Especialista em Petróleo e Gás Natural.
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