sexta-feira, 8 de junho de 2018

ABUSO DE PODER RELIGIOSO DIVIDE CORTES ELEITORAIS E É CONTESTADO POR PASTORES



"Quando que o uso do poder religioso vira crime eleitoral?
Eis uma pergunta com potencial de bagunçar as cortes responsáveis por julgar abusos no pleito de 2018".
Ok, um candidato não pode receber doações de entidades religiosas nem fazer propaganda dentro de templo, nisso a lei é clara.
Mas e se subir no púlpito, sem que nem ele nem o líder religioso que o convidou solte um “vote em mim” (isso, sim, terminantemente proibido)?
Agora, pense no pastor que pleiteia um cargo.
Ele terá que interromper suas atividades pastorais durante o tempo de campanha?
Afinal, até uma parábola bíblica que cite corre o risco de ganhar viés político. Nenhuma dessas situações é esclarecida pela legislação eleitoral, segundo especialistas.
A começar pela figura do “abuso de poder religioso, um tipo de abuso que não está escrito na lei explicitamente”, diz a professora do Instituto de Direito Público Marilda Silveira.
 
O debate esquentou com a expectativa de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) votar o recurso de um deputado estadual do Partido Social Cristão de Alagoas. Pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular, João Luiz Rocha foi afastado em 2017, acusado de fazer propaganda política em templos.
A tese do Ministério Público Eleitoral: ele transformou cultos em comitês de campanha e fiéis em cabos eleitorais.
O TSE negou o recurso de Rocha, só que em decisão monocrática de Napoleão Nunes Maia. Naquela sessão, o ministro disse ser condenável um “líder espiritual” usar sua influência com seguidores “para seduzir-lhes a liberdade de escolha política e capturar a sua adesão a certa candidatura”.
 
O colegiado precisa decidir se mantém ou não essa posição. Outro processo no TSE, desta vez contra o senador Ivo Cassol (PP-RO), mostra que o tema divide o tribunal. Pairava contra o congressista pedido de cassação após Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, pedir num ato para mais de 10 mil pessoas que votassem em Cassol, chamado de “obra de Deus”, na corrida de 2010.
O afastamento foi rechaçado pela corte. Segundo o relator do caso, Henrique Neves, é “constitucionalmente assegurado que sacerdotes e pregadores [...] enfrentem os temas políticos que afligem a sociedade”, e “nada impede que os candidatos abracem a defesa de causas religiosas”.
 
Afinal, onde termina a liberdade religiosa e começa o proselitismo político?

Depende para quem você pergunta. Se for para Marilda, do IDP-SP, ela vai dizer que “O cara pode ir lá, mas o pastor, o padre, o pai de santo, o rabino, nenhum deles pode dizer ‘este é o candidato ungido por Deus”, afirma o procurador regional eleitoral em São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

Já André Lemos Jorge, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo, diz que “mesmo que não peçam votos, candidatos não podem discursar nos púlpitos”, com risco de incorrer em propaganda irregular, ponto final. O ponto de interrogação combina mais com esse debate, admite Lemos Jorge. “As igrejas passaram a desempenhar papel decisivo nos pleitos, algumas vezes com abusos flagrantes. Como regulamentar as atividades eleitorais em templos sem afrontar o princípio constitucional da liberdade religiosa?”
Mas cadê a lei que barre “um religioso de exercer sua função sacerdotal, desde que não insinue sua condição de candidato”? Quem indaga é alguém afetado diretamente por essa interpretação legislativa, o pastor Marco Feliciano (Podemos-SP), deputado que mira a reeleição. Alegar que “a plateia de crentes carece de discernimento é uma falácia”, segundo Feliciano. “Por analogia, outros profissionais também poderiam influir no eleitorado. Um médico sobre seus pacientes, por exemplo.”
O religioso pode pregar à vontade, com um porém: o sermão deve passar longe da política, diz o procurador Gonçalves. “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Política é César. Se fizer discurso com proselitismo no templo, isso a lei proíbe.”

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