O dever de
regulamentação e a metodologia 5W2H
A
Lei n º 14.133 de 01 de abril de 2021, institui normas gerais de licitações e
contratos administrativos. Esta lei entrou em vigência na data de sua
publicação (art. 194).
Tendo
em vista que vigência é a aptidão para produzir efeitos jurídicos, se tem que é
uma lei que já deveria estar sendo aplicada pela Administração Pública.
Contudo,
é certo que há normas legais que tem eficácia limitada ou contida. Vale dizer,
há dispositivos da nova Lei que, para serem aplicados, dependem de edição de
outros atos regulamentares, eventualmente até, da edição de um decreto
regulamentar.
De
qualquer sorte, a nova Lei estabelece um período, e uma regra de transição,
antes de serem revogadas as Leis nº 8.666/1993 e nº 10.520/2002.
A
revogação destas leis se dará na data em que transcorrerem dois anos da
publicação da lei nova.
Esta
regra de transição está contemplada no art. 191: “até o decurso do prazo de que
trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por
licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as
leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada
expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta,
vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso”.
A Secretaria de Gestão do Ministério da Economia editou o Comunicado nº 10/2022 esclarecendo que a partir de 31 de março de 2023 o Sistema de Compras do Governo Federal estará configurado para recepcionar apenas licitações e contratações diretas de acordo com a Lei nº 14.133/2021.
Certo que esta
disposição tem valor jurídico apenas para órgãos e entidades integrantes da
Administração Pública Federal, mas se trata de uma significativa referência
para os outros entes federativos.
Em
outros termos, se pode defender que até 31 de março de 2023, os órgãos e
entidades da Administração Pública detém prerrogativa discricionária para
decidir, a cada contratação, o regime jurídico a ser aplicado: o da nova lei,
ou o das leis que serão revogadas. A partir desta data, deverá,
obrigatoriamente, ser aplicado o novo regime da Lei nº 14.133/2021.
O
núcleo da questão versada neste texto diz respeito à necessidade, oportunidade
e conveniência de edição de regulamentação própria, por parte dos municípios,
para aplicação da nova Lei.
É
evidente que, sob determinado aspecto, os municípios podem aplicar nova Lei sem
a edição de regulamentação própria. Poderão, inclusive, aplicar os regulamentos
editados pela União para a sua execução (art. 187).
Contudo,
sob o prisma da eficiência e sob o prisma do dever de governança dos contratos
e de seus efeitos jurídicos, é altamente recomendável que os entes municipais
editem normas regulamentares próprias para aplicar a nova Lei de Licitações.
1º fundamento para a edição de
regulamentos próprios – assimetria de recursos humanos e materiais – diversidade
de objetivos contratuais
O
Brasil conta com 5.570 municípios, cada qual com suas particularidades e
especificidades. Há municípios com amplos recursos humanos e materiais. Porém,
há inúmeros municípios que não contam com recursos humanos e materiais adequados
para conduzir seus processos de contratação.
Esta
diversidade estrutural implica necessidade evidente de adequação das regras da
nova Lei para a real condição do município. Exemplifica-se: o sistema de gestão
e de fiscalização dos contratos estabelecido, por exemplo, para órgãos
federais, pode ser absolutamente inviável para entes federativos municipais.
Os objetivos contratuais também podem ser bastante diversos em relação a todos os entes federados. Não se trata apenas de considerar o objeto principal e específico do contrato, qual seja, o de atender a uma necessidade específica (por exemplo: transportar pessoas).
A Lei nº 14.133/2021 estabelece 4 objetivos expressos para o processo da contratação (art. 11):
I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;
II – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição; III – evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
IV –
incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
À guisa de exemplo, tome-se o objetivo de promoção da inovação. Cada município pode estabelecer regras próprias para atender este propósito, como a utilização do mecanismo do contrato público para solução inovadora previsto na Lei Complementar nº 182.
Ou, o objetivo de promoção do desenvolvimento nacional
sustentável: a definição, por parte do município, de quais elementos de
sustentabilidade adotará nos processos de contratação, para torna-las ESG (environmental, social and governance –
para utilizar o formato que vem sendo adotado no mundo corporativo privado).
Ou
seja, há inúmeras decisões administrativas relacionadas ao processo da
contratação que podem ser universalizadas no plano municipal por intermédio da
edição de normas regulamentares – que serão aplicadas de modo uniforme por
todos os órgãos municipais.
2º fundamento para a edição de
regulamentos próprios – dever de governança dos contratos
Um
dos fatores que determina o sucesso, a eficiência, a eficácia, a economicidade
e a legitimidade dos processos de contratação pública é a existência de boas
regras para a condução deles.
E
a edição de boas regras se insere no plano da governança dos contratos. Com
efeito, a nova Lei de Licitações prevê o dever jurídico de governança dos
contratos, no parágrafo único do art. 11. Governança das contratações públicas
é “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática
para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das contratações
públicas, visando a agregar valor ao negócio do órgão ou entidade, e contribuir
para o alcance de seus objetivos, com riscos aceitáveis”[1]
Tem-se,
pois, que um dos mais relevantes deveres no plano da governança dos contratos –
vale dizer, nos planos da liderança e da estratégia, – é o de editar normas
regulamentares para a adaptação e adequação da nova Lei de Licitações nos
municípios, o que se fará também em homenagem ao princípio do planejamento,
expressamente previsto no art. 5º da Lei nº 14.133/2021.
A
edição de boas regras, adaptadas à realidade de cada entidade federativa, pode
ser determinante para a obtenção da eficiência e da eficácia das contratações
do município.
Em
sentido reverso, no plano causal, em caso de contratação irregular, defeituosa,
ilegal, ou que produza prejuízos ao erário, se identificada como causa a falta
de norma para orientar os agentes públicos acerca dos procedimentos corretos a
serem adotados, se caracterizará a responsabilidade, por omissão própria, dos
integrantes da alta administração (Prefeitos e Secretários Municipais).
3º Fundamento para a edição de
regulamentos próprios – evitar erros grosseiros
No
curso do processo da contratação, muitas condutas administrativas são adotadas
e necessárias. E os agentes públicos, nos termos do disposto no art. 28 do
Decreto Lei nº 4.657/1942 (LINDB), respondem pessoalmente por dolo ou erro
grosseiro pelas condutas praticadas.
Uma
regulamentação adequada da Lei por parte dos municípios pode ser irrelevante
para evitar condutas dolosas no processo da contratação. Contudo, certamente
será eficaz para evitar erros grosseiros (condutas praticadas com culpa grave –
grave negligência, grave imprudência ou grave imperícia).
Isto
porque, a existência de normas regulamentares produz o que se denomina de
“institucionalização das decisões”. Em outros termos, muitas decisões podem ser
antecipadas em normas, evitando que os agentes públicos, diante de uma situação
concreta, tenham que produzir decisões pessoais.
Por
exemplo: uma norma regulamentar pode deliberar pela aceitação de documentos
novos no processo licitatório, quando o licitante deixar de juntar a
documentação no tempo oportuno. Neste caso, o agente responsável pela
licitação, diante do caso concreto, já terá como decidida a solução
administrativa eleita pela norma.
4º Importância da elaboração e
implantação de um plano de ação para a regulamentação e para a aplicação da
nova Lei
O
pior cenário administrativo é aquele no qual, quando da revogação da Lei nº
8.666/1993 e da Lei nº 10.520/2002, o município tenha que, obrigatoriamente
aplicar a lei nova, e ainda não tenha adequado sua estrutura de recursos
materiais, humanos e jurídicos para tanto. Prejuízos jurídicos e materiais
substanciais podem derivar desta conduta omissiva, gerando responsabilização
pessoal, inclusive por ressarcimento dos danos causados.
Para
evitar esta situação jurídico-administrativa, é preciso dar efetividade ao
princípio do planejamento, expressamente previsto no art. 5º da Lei nº
14.133/2021. Repita-se, descumprir o princípio do planejamento, neste caso,
caracterizará o erro grosseiro de que trata o Decreto Lei nº 4.657/1942.
Como
se defende, a implantação adequada da nova Lei por parte dos municípios se dará
com a edição de normas regulamentares próprias.
A
regulamentação, implantação e aplicação da nova Lei pelos municípios devem,
assim, ser precedidas de processos racionais, eficientes e eficazes para que se
obtenham os resultados mais vantajosos para a Administração Municipal e para o
aprimoramento de suas contratações.
5º A metodologia 5W2H como instrumento
de planejamento para a elaboração de plano de ação
Como
instrumento de planejamento, os municípios podem optar pela elaboração de um
plano de ação. Plano de ação é ferramenta de gestão administrativa pelo qual se
estabelecem metas e resultados pretendidos, indicando os meios e os fundamentos
para alcançá-los e para justificar as condutas.
Para
a elaboração deste plano de ação, sugere-se a adoção da metodologia “5w2h”.
Esta
metodologia ou ferramenta administrativa propicia que sejam elencadas,
avaliadas, tratadas e implementadas todas as ações destinadas à realização de
certo objetivo de gestão, bem como propicia identificar os conhecimentos, as
habilidades e as aptidões necessárias para os agentes que serão responsáveis
pelas condutas destinadas ao atingimento do propósito pretendido.
A
ferramenta, bastante simples, mas eficaz, tem aplicação a partir da definição
de 7 elementos, ou formulação de sete “perguntas-chave”, identificados pelas
letras W e H, iniciais das palavras em inglês: what,
why, where, when, who, how, e how
much.
Estas
palavras representam as seguintes perguntas que serão adotadas como parâmetro
para a adoção das ações administrativas necessárias para a elaboração do plano
de ação:
1.
o que será feito?
2.
por que será feito?
3.
onde será feito?
4.
quando será feito?
5.
por quem será feito?
6.
como será feito?
7.
quanto custará a ação?
Em suma: A ferramenta 5W2H é um conjunto de questões utilizado para compor planos de ação de maneira rápida e eficiente. Seu principal propósito é a definição de tarefas eficazes e seu acompanhamento, de maneira visual, ágil e simples.